quarta-feira, 29 de setembro de 2010

1ª Mostra Audiovisual do Campus


1ª Mostra Audiovisual do Campus

 Os membros do projeto de extensão Cine Campus convidam todos os alunos, professores e funcionários da UNESP- FCLAR a participarem da 1a Mostra Audiovisual do Campus.
O período de inscrição será de 27/09/2010 a 01/11/2010.
Dúvidas, cine_campusar@yahoo.com.br
Para participar, é preciso entregar a ficha de inscrição preenchida e o filme/ média/curta ou minuto (gravado em DVD ou CD) para exibição.


1      - Inscrições:

1.1  – A Primeira Mostra Audiovisual tem como objetivo divulgar a produção audiovisual de indivíduos que estejam ligados a UNESP – FCLAr. Sendo assim, a seleção será feita com o único critério de que funcionários, alunos e professores tenham exercido qualquer tipo de função dentro de uma produção audiovisual.
1.2  A Mostra não é um concurso, portanto, toda produção enviada será exibida (desde que esteja de acordo com o item 1.1), já que o intuito da Mostra é a divulgação dos trabalhos da comunidade da FCLAr.
1.3 - Será aceita apenas uma produção audiovisual por inscrição.
1.4 – A ficha de inscrição está disponível no site: www.cinecampusararaquara.blogspot.com .
1.5 - As inscrições serão efetuadas pessoalmente e será necessário levar o DVD (ou CD) com sua produção para o Cine Campus toda terça-feira e quinta-feira (de acordo com o período de inscrição) no Anf. B das 16h00 às 18h30.
1.6 - O vídeo deve ser gravado em CD ou DVD, no formato avi, que deverá ser entregue juntamente com a ficha de inscrição devidamente preenchida.

 2      – Exibição:

2.1 - A exibição será feita a partir das 14h00, no Anfiteatro B, nos dias 16 e 18 de novembro de 2010.
2.2 - Posteriormente os vídeos serão compilados, gravados em DVD e entregues à biblioteca para a posteridade. Para isso o participante, que estiver de acordo, deve preencher o termo de direitos autorais.

Para maiores informações acesse o Blog do Projeto: www.cinecampusararaquara.blogspot.com

 Atenciosamente,
 CINE CAMPUS

 A ficha de inscrição deve ser copiada e colada no word, preenchida, impressa e entregue conforme mencionado acima:


1ª Mostra Audiovisual do Campus

Ficha de Inscrição


Nome completo:_________________________________________________
Idade:______________
Sexo: Feminino ( ) Masculino ( )
Função exercida na obra audiovisual: ________________________________
Produção audiovisual:____________________________________________
Longa ( ) Média ( ) Curta ( ) Minuto ( )
Tempo de duração: ______________________________________________
Título da produção:______________________________________________
Ficha técnica com sinopse:_______________________________________

É aluno da FCL? Se sim, qual curso? ________________________________
É funcionário da FCL? Se sim, o que faz?____________________________
É professor da FCL? Se sim, qual área? Qual Departamento?_____________
E-mail para contato:_____________________________________________


TERMO DE AUTORIZAÇÃO

 Pelo presente instrumento, ______________________________________________________,
abaixo firmado e identificado, autoriza, graciosamente, o CINE CAMPUS,
projeto de extensão sem fins lucrativos da Unesp de Araraquara, a realizar
réplica, exibição e divulgação da produção audiovisual
___________________________ a ser veiculada, sem objetivo comercial, na
1ª Mostra Audiovisual do Campus e, posteriormente, em compilação das
exibições, destinada ao arquivo da Biblioteca da FCLAr.
Esta autorização inclui portanto a exibição e documentação do evento,
conforme expresso na Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais).


                                             Araraquara, _____ de ________________ 2010.

 Assinatura:________________________________________
 
Nome: ____________________________________________
End.: _____________________________________________
CPF: _____________________________________________



sábado, 18 de setembro de 2010

Ciclo de Filmes comentados: Ingmar Bergman



O Sétimo Selo de Bergman

Por Breno Rodrigues de Paula

Na maioria das vezes, o Artista conjuga o seu nome junto com a sua obra, de modo que ele torna-se sinônimo de sua criação. É o que acontece com os cineastas sueco Ingmar Bergman. Não conseguimos dissociar filmes tais como: “Monika e o desejo” (Sommaren med Monika) – 1952, “O sétimo selo” (Det sjunde inseglet) – 1956, “Morangos silvestres” (Smultronstallet) – 1957, “Gritos e sussurros” (Viskningar och rop) – 1972, “Sonata de outono” (Höstsonaten) do nome Bergman. Bergman foi um gênio que se dedicou à produzir belos filmes, como um dos mais importante, não só de Bergman, mas também da Sétima Arte: “O Sétimo Selo”.

Poucas obras artísticas, criada pelo homem, na sua eterna e incessante busca pelo conhecimento do mundo e de si próprio, retratam de forma tão poética e profunda os anseios do homem na busca da sua constituição metafísica como o filme de Bergman “O sétimo selo” (Detsjunde inseglet) – 1956. No filme, após dez anos, um cavaleiro Antonius Block (Max Von Sydow) retorna das Cruzadas e encontra o seu país (Suécia) devastado pela peste negra. Sua fé em Deus é sensivelmente abalada e enquanto reflete sobre o significado da vida, a Morte (Bengt Ekerot) surge à sua frente querendo levá-lo, pois chegou sua hora. Objetivando ganhar tempo, convida-a para um jogo de xadrez que decidirá se ele parte com a Morte ou não. Tudo depende da sua vitória no jogo e a Morte concorda com o desafio, já que não perde nunca. Aqui a morte é o cerne da questão levantada por Bergman. A principal questão metafísica humana: seria a morte a principal manifestação empírica da realidade ou a mera condição que o homem está sujeito aos caprichos divinos de Deus, do Diabo ou da Morte. Estas questões, inserem-se, no filme, numa conjuntura caótica e angustiante para o cavaleiro e seu escudeiro.

A cena do jogo de xadrez com a Morte, mostra-se de beleza estética cinematográfica única na sétima arte. Após acordar na praia, o cavaleiro lava o seu rosto e reza baixinho, ao virar a sua face para trás, ele defronta-se com a figura da Morte. Assustado e com medo, o cavaleiro pergunta se a Morte gostaria de jogar xadrez, já que lerá que todos jogam xadrez, inclusive a Morte. A morte acha que isto é uma artimanha do cavaleiro para que não seja “levado”, mas concorda em iniciar a partida. O interessante que a Morte não é retratada como a irmã mais velha dos “perpétuos” ou como uma entidade monstruosa, na acepção física, ela se aprece com um homem e se veste como um monge. Nos intervalos dos lances, o cavaleiro e seu escudeiro andam pela vila e presenciam diversos acontecimentos como a morte de uma feiticeira, que supostamente havia mantido relações sexuais com o demônio, na fogueira. Conhecem uma trupe de artista e conhece Mia e Jof, que lhe dão morangos e leite, como num ritual semelhante à “Santa Ceia”.

Prossegue a partida de xadrez e o cavaleiro leva xeque – mate da Morte, que o informa que ele será levado na manhã seguinte. A Morte iniciou o jogo sabendo que ninguém pode vencê-la. Mesmo com táticas e estratégias do xadrez, o cavaleiro não pode vencer a morte. Todos dançam, ao final, a sua música, todos de mãos dadas. Todos sobem a colina ritmicamente fazem passos coordenados, cíclicos. Mas o silêncio da abertura do sétimo é quebrado pela dança da morte, que com a sua música, assim como o Flautista de Hamelin, leva os homens a conhecer a sua mais complexa realidade: a existência humana.

Bergman retratara o homem frente às questões tais como a morte, Deus, Diabo, efemeridade da vida, solidão, alienação. Em suma, retratara o homem na busca da transcendência da sua condição meramente humana, através da única forma que o homem tem para transcendê-la: a Arte. 



 


Fanny e Alexander
AS MÁSCARAS DE BERGMAN

Os amantes do cinema clássico americano, de décadas anteriores aos anos 1950, refugiam-se em filmes de aventura e romance justamente para esquecer que existem os problemas internos e alguns eventuais desequilíbrios atribuídos a seres humanos. Pareciam, mesmo enquanto alegravam platéias, produtos guiados pela lógica do gênero aos quais serviam. Como esperar de Keaton ou de Astaire alguma leitura freudiana sobre os freqüentes conflitos sexuais presentes nas pessoas? Os personagens da ficção promovida pelo cinema de massa, portanto, quase sempre estavam longe de determinados temas presentes em trabalhos de outros cineastas. O círculo de arte, ou mesmo o tempo – e depois a redescoberta –, eram o refúgio de alguns artistas com temas "pouco agradáveis". No cinema clássico americano, em grande parte dos filmes os personagens pouco demonstravam crises existenciais. Viviam de acordo com as regras básicas da aventura, romance, drama e, às vezes, de algum mundo mágico onde intenções sexuais e medos internos ainda não haviam chegado. Menos ainda, tinham seus interiores expostos como fora observado mais tarde, de forma visceral por alguns cineastas. Na década de 1920, homens como Buñuel buscavam novas amostragens e significados. Enfrentavam, em contrapartida, lançamentos tumultuados e até mesmo a proibição de filmes, como ocorreu com A Idade do Ouro. A perseguição pela estética diferenciada, por trabalhos que não mostrassem a mera utilização da forma convencional do cinema como divertimento, com o tempo encontrou artistas sempre dispostos a reforçar esse caminho. Sem homens como Ingmar Bergman, o cinema ainda viveria meramente no campo externo, de intenções pouco explicadas. Também não seria desgrudado do chamado "entretenimento", igualmente descrito como um filme ligado às fórmulas que o faziam se enquadrar a um gênero. Mas claro que havia exceções no período clássico, como Renoir, Pabst, Lang e Dreyer. Verdadeiros autores.

Com Bergman, o mergulho à alma, ao interior humano – frágil, complexo, desafiador –, tornou-se uma necessidade de exploração estética. Parece impossível representar em imagens a condição humana de muitos que choram em silêncio, que, como as crianças de Fanny e Alexander, pensam dialogar com os mortos e vêem o mundo de forma diferente dos personagens de Dickens do período clássico, aventureiras do "lado" externo, com explicações, ao fim, mais precisas. Com esse filme, do início dos anos 1980, Bergman retorna à estética grandiosa. Desfila, em seqüências, suntuosidade como poucas vezes se viu em sua obra. Não esqueceu, felizmente, os artifícios que antes o tornaram grande. A criança, para tentar resumir o que o cineasta deseja, é uma peça mais importante que o baile que a circunda, que as pessoas cujas intenções não entende por completo – mesmo sem esquecer que ambas as esferas não vivem separadamente. O castelo de sua imaginação é maior enquanto a composição física, de grande beleza, é menor às necessidades do texto. Assim, pode se diferenciar o cinema e as buscas de Bergman quando comparado ao Visconti dos anos 1960, quando a suntuosidade da imagem tinha um papel tão importante quanto os personagens que percorriam os ambientes. Não se trata de uma comparação entre tais mestres, cada um em sua cruzada de explorações artísticas.

Fanny e Alexander não é um resumo da obra de Bergman, um possível capítulo final. O cineasta, após esse filme, ainda continuou trabalhando e manteve uma relação com a arte no teatro e na televisão. Os palcos são velhos conhecidos do diretor. Já havia feito filmes sobre o tema, como Noites de Circo e O Rosto, e parte de sua formação e busca das intenções humanas, como se a representação fosse inerente, estão ligadas à dramaturgia. A lição de Bergman está próxima da lição de Fellini, apesar de ambos estarem distantes em suas amostragens, estilos e inclinações às formações de seus personagens; também distante dos dois está Buñuel, que, ao invés de enveredar pelas dúvidas religiosas, como o sueco, aderiu à crítica fervorosa, à devoção de que a religião poderia castrar ainda mais os já complicados homens em relação com o mundo. Com Fanny e Alexander, Bergman chama a atenção ao olhar infantil. Seu trabalho mais autobiográfico também concede demasiado espaço aos adultos, relacionados com as crianças em pé de igualdade quando devem discutir certos assuntos ou mesmo dividir a culpa por algo. As crianças de Bergman são lançadas à fogueira dos erros humanos, de pais e padrastos confiantes na falsa razão dos dogmas religiosas. Para o pequeno protagonista e sua irmã, dois caminhos são mostrados: o teatro e a religião ortodoxa. O problema é que, enquanto guiados pelos mais velhos, como marionetes em busca de uma fuga, não podem evocar suas escolhas facilmente.
O lado bom, o teatro, é fotografado pelo mestre Sven Nykvist com claridade, com formas e cores que levam o espectador a pensar em dias felizes. São momentos em que as crianças vivem tempos de harmonia com os mais velhos, em festas ligadas à exaltação da vida pelo teatro. Eis o lado otimista de Bergman – também sua salvação promovida pela arte –, que logo seria eclipsado pelos interessantes conflitos com início na morte do pai de Fanny e Alexander (interpretado por Allan Edwall). Referência óbvia é o fato de estar encenando Hamlet no momento em que começa a se sentir mal, logo depois levado para casa. Uma cena de extrema beleza e sensibilidade mostra Alexander (Bertil Guve) relutando em se aproximar do pai. A mão do homem prende-se à do filho, como se estivesse contida nessa ação a impossibilidade de fuga do espírito, que mais tarde retorna para conversar com as crianças. Bergman dialoga com seu passado, com Shakespeare e com a vida dedicada aos palcos. O outro lado do texto, uma espécie de inferno às crianças, começa quando a mãe dos pequenos protagonistas decide se casar. Interpretada Ewa Fröling, Emilie personifica a beleza ainda jovem de uma mulher envelhecida pelas amarguras impostas por escolhas erradas e mesmo pelo seu próprio destino. Como uma mulher do início do século XX, não resta a ela muitas escolhas. Casa-se com um bispo ultra-religioso – aparentemente uma personificação malévola do próprio pai de Bergman –, interpretado na medida por Jan Malmsjö, talvez a melhor surpresa do filme.

Presos numa espécie de masmorra, as crianças passam a ser educadas sob os códigos da religião impressa pelo poder maior: o homem que manda na casa, como em sua esposa – obrigada a subtrair todo seu histórico de vida passada e começar do zero – e nas criadas. Com a mudança dos personagens também chega, de forma inevitável, a mudança das cores. A fotografia de Nykvist fica ainda mais rica enquanto a luz tenta invadir a escuridão. Como em outros filmes de Bergman, as sombras estão expostas ora ao fundo, ora à frente, dando oportunidade para que a luz invada algumas lacunas que revelam os rostos. Cena que evidencia tais formas dá-se no momento em que Alexander, libertado das amarras do padrasto, sai durante a noite para ir ao banheiro na casa do judeu Isak Jacobi (Erland Josephson). Na caminhada, perde-se pelos cômodos e encontra algumas marionetes, assim como, novamente, a imagem do pai. As sombras e a pouca revelação da vida, mesclada à face de desespero do jovem que acredita estar em contato com Deus (uma marionete de barba branca), é um dos pontos altos do filme. Depois, Alexander encontra dois rapazes que moram com Isak. Um deles vive preso em um cômodo. Em poucos minutos com o protagonista, narra, como se conseguisse prever, o destino do malvado bispo.

A obra de Bergman traz à mente um homem sereno e em silêncio no set de filmagem. Vê-lo dirigir os atores em Fanny e Alexander surge como uma surpresa. Em ação, seja na escolha dos enquadramentos, da composição e em conversas com seu parceiro Nykvist, Bergman mostrava grande vibração. Era como se pudesse fazer, àquela altura, o que bem desejasse, com a estatura de um verdadeiro mestre sem medo de errar ou de ser reprovado. Traz em cena também vários colaboradores do passado, como Josephson, Gunnar Björnstrand e Harriet Andersson, como Justina, uma das sinistras criadas do bispo. Também em cena estão atores que mais tarde fariam carreira de sucesso, como Lena Olin, que antes já havia feito uma pequena ponta em Face a Face, de 1976.

A exemplo de outros mestres da sétima arte, Bergman ajudou a definir o sentido do cineasta como um autor. Antes mesmo da nouvelle vague estourar, Jean-Luc Godard, em um artigo publicado na revista Arts, em julho de 1958 (um ano antes de Acossado), faz elogios à reestréia de Monika e o Desejo nos cinemas parisienses – "O acontecimento cinematográfico do ano" – e a relação de amor da França com o sueco. Mas, diferente da maioria dos filmes de Bergman, Fanny e Alexander tem gente demais em cena e arquitetura visual suficiente para fazer a platéia se sentir em um filme de verdade, pois muitos trabalhos do cineasta – como os de Godard e Rohmer – são usualmente acusados de serem "artísticos" em excesso. Não por acaso, é considerada sua obra mais acessível, longe de seu máximo – esse sim um resumo de suas buscas e amostras – observado em Quando Duas Mulheres Pecam. O que atrai tanto no caso de Fanny e Alexander é a fatalidade da convivência entre o lado bom e o ruim, representados em diferentes usos de luz ao longo da caminhada do personagem Alexander, uma espécie de alter ego de Bergman. Nem mesmo sua mãe pode salvá-lo, ou Deus, de quem reclama em determinado momento. Em uma cena que beira o insuportável, o bispo tenta mover a consciência do jovem a pensar como ele, fazendo então da pequena mente um fragmento submisso e controlado. Mais do que dotado do poder de ver espíritos, o jovem, de acordo com o texto, depende de sua imaginação. Esse, segundo Bergman, é o milagre de ser criança. E a riqueza é ainda mais nítida quando se imagina que o cineasta trouxe suas lembranças para mostrar como a arte, e não os dogmas religiosos, salvaram sua vida.Cinema sem Tempo

FANNY E ALEXANDER:
"Fanny & Alexander" é um magnífico, empolgante e ambicioso filme sueco. Realizado pelo grande cineasta Ingmar Bergman, sua história acompanha os maus-tratos sofridos por duas crianças, Fanny e Alexander, principalmente este último, quando sua mãe viúva decide se casar com um bispo luterano que, agindo como um verdadeiro tirano, exige que ela deixe para trás sua casa, vestidos, jóias, bens, seus amigos, família, idéias, hábitos e tudo o mais que possa lembrar a vida que levava anteriormente.
Tendo recebido seis indicações ao Oscar, este filme sueco foi agraciado com nada menos quatro estatuetas, inclusive a do Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira.

A direção de Bergman é perfeita, mantendo um ritmo adequado a prender a atenção do espectador do início ao fim. O belo trabalho apresentado por Sven Nykvist, fotógrafo preferido do cineasta, assim como, o figurino assinado por Marik Vos, são dois outros quesitos que merecem destaques.

Como na maioria de seus filmes, os questionamentos religiosos acham-se também presentes em "Fanny & Alexander". Quando as crianças encontram-se na casa do judeu Isak Jacobi, num determinado momento, por exemplo, o questionamento de Alexander sobre a existência de Deus é extremamente pesado, que não ouso repeti-lo. Em seu universo, o cineasta cria espaços para cristãos e judeus, ricos e pobres, sãos e insanos, jovens e idosos, fantasmas e magia, além de uma galeria de personagens inesquecíveis por suas peculiaridades.

O filme basicamente se inicia e termina com a família reunida, em torno de uma mesa: no início, para comemorar a passagem do Natal e, no fim, para celebrar o batismo de duas crianças.



A Hora do Lobo
 por Tiago Lipka

A Hora do Lobo começa de maneira particularmente esquisita. Enquanto os créditos iniciam, o som da equipe de filmagem e de Ingmar Bergman dando instruções a equipe pode ser ouvido. Em seguida, Alma (Liv Ullmann) conversa com o público, confessando coisas que ainda veremos no segundo ato do filme. Única obra de terror que Bergman produziu, A Hora do Lobo é um pesadelo que vai ficando cada vez mais real conforme o filme passa. Lidando com alucinações de um personagem que sofre de insônia, Johan (Max Von Sydow), Bergman deixa de lado no início do segundo ato se o que vemos é real ou imaginação, aliás mais do que isso: quando ouvimos o diretor gritar "Ação" no início, Bergman já deixou claro que o filme, era só isso, um filme. Portanto por mais que vejamos os personagens vivendo sua realidade, para o público, nada daquilo é real.
Mas o belo roteiro de Bergman nos coloca lado a lado com Alma, e é através dela que acompanhamos a história do filme. Alma e Johan são um casal que, fugindo de uma crise de Johan viajam a uma ilha pacífica. Porém, os habitantes da ilha começam a visitar Johan com cada vez mais frequência, e suas características peculiares vão assustando cada vez mais o casal.
A fotografia do filme é maravilhosa e a trilha sonora é um show a parte. Agressiva e perturbadora, é a música que evoca o clima de terror que Bergman planejara. E por falar no diretor, seu trabalho nesse filme é explêndido, e o melhor até hoje que já conferi: o início do filme se revela estático e com longos planos mostrando diálogos sem cortes, no segundo ato é substituída por uma câmera nervosa (em especial a cena do jantar no castelo). Além disso, o diretor cria algumas das imagens mais perturbadoras de seus filmes, como o garoto morto que flutua no mar, ou os donos do castelo rindo enquanto Johan está com sua amante.

Em se tratando de Ingmar Bergman, já sabemos que o filme é um verdadeiro tijolo, ou seja é parado, cheio de pausas e silêncio que se acumulam e fazem a maioria das pessoas achar chato. Porém, no caso desse filme, a crescente tensão e as surpresas que seus personagens acabam revelando prendem a atenção do espectador (e acredito que seja o filme mais "acessível" que já vi de Bergman).
E ao final, resta apenas uma pergunta: Seríamos nós, o público, os fantasmas de Alma?


 
O Silêncio

Por Demetrius Caesar 
Não apenas um filme, reflete todo o pensamento de uma geração.

Duas irmãs estão no exterior a caminho de casa. Elas talvez mantenham uma relação incestuosa lésbica. Uma delas é tradutora e se embebeda diariamente para tentar suportar as dores de uma doença maligna que a destrói por dentro. A outra irmã, mãe de um garoto, aproveita as tardes quentes do verão russo para visitar bordéis e satisfazer seus desejos neuróticos de dominação e submissão.

Para falar de O Silêncio, de Ingmar Bergman, derradeira parte de sua “Trilogia do Silêncio”, é bom voltar ao ano de 1964, quando os estudantes atearam fogo em Paris. Só durou duas semanas o qüiproquó, mas os reflexos, como todos sabemos, foram muitos e duradouros. Já teria valido a pena só por ter dado assunto a tantos ótimos filmes. Talvez outro ótimo reflexo foi ter impedido a premiação do Festival de Cannes daquele ano – é brincadeira.

O ano 1964 entraria para a história de qualquer forma, pois foi a o ano de Bande à Part (Jean-Luc Godard), Gertrud (Carl Dreyer), Marnie, Confissões de uma Ladra (Alfred Hitchcock), Uma Mulher Casada (Jean-Luc Godard), O Esporte Favorito dos Homens (Howard Hawks), Deserto Vermelho (Michelangelo Antonioni), A Terra do Sonho Distante (Elia Kazan), O Silêncio (olha ele aí!) e Para Não Falar de Todas Essas Mulheres (ambos de Ingmar Bergman), além de O Criado  (Joseph Losey, para muitos, a sua obra-prima). Essa é, pela ordem, a lista dos dez melhores filmes do ano feita pela revista francesa Cahiers du Cinéma, então a maior referência cinematográfica mundial.

Mas havia muito mais: Os Guarda-Chuvas do Amor (Jacques Demy), Um só Pecado (François Truffaut), Caravana de Bravos (John Ford), Dr. Fantástico (Stanley Kubrick), Minha Bela Dama (George Cukor, que venceu o Oscar), Diário de uma Camareira (Luis Buñuel na França), o magnífico A Mulher de Areia (Hiroshi Teshigahara), Crepúsculo de uma Raça (John Ford) e até Os Reis do Iê-Iê-Iê (Richard Lester). E olha que só usei a Cahiers de fonte, tem muito mais.

Pois O Silêncio foi eleito o oitavo melhor filme do ano com concorrência pesada, inclusive o diretor, pois o próprio Bergman entrou no duro páreo com outro de seus filmes, Para Não Falar de Todas Essas Mulheres. O cineasta sueco estava no auge do prestígio, já havia ganhado Cannes e o Oscar (esse, duas vezes), gozava de fama internacional (os cinéfilos brasileiros devoravam seus filmes com fervor quase religioso, um paradoxo) e garantido seu nome na história.

Bergman desenvolveria tema semelhante, do embate entre mulheres que psicologicamente se imiscuem, com insuperável maestria no seu filme seguinte, Persona (66), ou mesmo numa de suas obras-primas, Gritos e Sussuros (73). Bergman repetia os temas, mas são as variações deles que realmente importam. Em O Silêncio, é impossível saber qual das irmãs é projeção da outra, qual seria a verdadeira ou quem é o ego liberado da primeira, se a reprimida intelectual ou a liberada fútil. No duelo verbal, confrontadas, ambas se aniquilam. Cada uma quer ser uma parte da outra, têm inveja, mas não suportam as limitações.

Em resumo, falar de O Silêncio é, portanto, falar de um tempo mítico em que o cinema não era uma diversão, mas a legítima representação artística do que pensava, ansiava e esperava toda uma geração. O ideal marxista de 64 provou-se inviável e foi suplantado pela democracia capitalista. Os filmes, porém, resistiram ao tempo. O Silêncio tem os excessos da época e não supera as duas primeiras partes da “Trilogia do Silêncio”: Através de um Espelho e Luz de Inverno. No entanto, não há espaço hoje para esse tipo de filme; não são mais feitos. Eles são, como o ideário daquela época, apenas utopia.


sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Stanley Kubrick


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Dr. Fantástico (Dr. Strangelove, 1964)

Por Felipe Cruz

Análise desta grande obra-prima de Kubrick, recheada de ironias e humor negro. Baseado no livro "Alerta Vermelho", escrito pelo ex-tenente da Força Aérea Britânica, Peter George, o filme "Dr. Fantástico" dirigido por Stanley Kubrick (que também dirigiu "2001: Uma Odisséia no Espaço", "Lolita" e "Laranja Mecânica") é uma das mais famosas e cultuadas comédias de humor negro já produzidas.

Para escrever uma crítica à altura deste clássico não basta apenas falar das atuações, da trilha sonora ou do roteiro. É necessário dissecar o filme em todos os aspectos. Para os mais atentos, tudo no filme tem um duplo sentido e os menores detalhes (aqueles que passam desapercebidos) se bem observados lhe darão outra visão da história.

A começar pela atuação do primoroso Peter Sellers (considerado um dos melhores comediantes do cinema, que estrelou também “A Pantera Cor de Rosa”), em Dr. Fantástico representa três personagens, dando um tom único ao filme. Sellers interpreta o inglês Capitão Mandrake, da RAF (Royal Air Force); o presidente dos Estados Unidos, Mr. Muffley e finalmente o Dr. Fantástico, um ex-cientista nazista que com o fim do III Reich se torna o conselheiro do presidente americano (sim, o roteiro é recheado dessas ironias).

Sellers é tão genial em suas atuações que quase não percebemos que esses três personagens são interpretados pela mesma pessoa. Por exemplo, quando está representando o presidente dos EUA, sua voz é calma, controlada, porém ele sempre se apresenta tenso. Como oficial da RAF ele muda a voz e tem sotaque inglês. É desastrado, porém disciplinado, como todo inglês. Entretanto é como Dr. Fantástico que Sellers se supera, falando com sotaque alemão e preso a uma cadeira de rodas.

Dr. Fantástico não tem o controle de suas mãos e faz a todo tempo, involuntariamente, a saudação nazista “Zieg Hail” para o presidente dos EUA - vejam só, novamente, que ironia. É interessante também observar as caras e trejeitos que o presidente dos EUA faz quando é “saudado” e a expressão no rosto do Dr. Fantástico quando seu braço simplesmente se contrai seguindo de um estrondoso “Hail!”.

Sua tripla atuação, representando papéis antagônicos, significou para a indústria cinematográfica uma inovação, afinal de contas, temos momentos em que dois de seus personagens dialogam entre si, configurando desta maneira uma novidade no cinema até então. Mérito para Kubrick e Sellers. Na realidade Peter faria inicialmente quatro papéis, interpretando também o piloto do avião bombardeiro Major T.J. “King” Kong.

Para continuar dissecando o filme é interessante falar um pouco do roteiro. O filme, de 1964, foi indicado a quatro estatuetas do Oscar e conta a história de um ataque nuclear "acidental". Filmado durante o auge da Guerra Fria, mostra o General Jack D. Ripper (nome dado em referência a Jack, o Estripador) enlouquecido e convencido de que os comunistas estão poluindo "os preciosos fluídos corporais da América" e por conta disso ordena um ataque nucelar a União Soviética.

Seu ajudante, o inglês Capitão Mandrake (Peter Sellers), tenta desesperadamente uma maneira de suspender o ataque. Sellers protagoniza uma das cenas mais hilariantes do filme, quando tenta de qualquer maneira explicar, sob a mira de um fuzil, para um soldado americano a senha para cancelar o ataque, enquanto fala de um telefone público. Enquanto isso, o presidente dos EUA (Sellers, novamente) liga, do famoso telefone vermelho de emergência, para explicar para o bêbado premier soviético, que os EUA irão explodir uma bomba nuclear, acidentalmente, na URSS, explicando para o premier que impedir o ataque é erro tolo.

A partir de então a história é alternada sempre em três cenários: a sala de guerra; a base militar onde o general Ripper está sitiado e o avião bombardeiro que carrega a temida bomba atômica, pilotado pelo texano Major T.J. “King” Kong (a ironia do nome deste personagem está no final do filme, que é simplesmente fantástico!).

A propósito, sobre o Major T.J. “King” Kong cabe um destaque. Observando bem o filme eu percebi que em um certo momento sua voz mudava de intensidade e parecia que havia sido dublado. Depois de pesquisar um pouco descobri que realmente havia sido dublado um pequeno trecho do filme. Trata-se de uma mudança feita de última hora – feita pouco antes do lançamento – é uma fala do diálogo do Major, dentro do avião, com seus pilotos. No momento em que ele revisa o kit de sobrevivência à bomba, o Major diz que o kit é tão completo que daria para passar bons momentos em Dallas, entretanto foi feita uma modificação e o ator dublou por cima a palavra Vegas. Isso porque o presidente Kennedy tinha acabado de ser assassinado em Dallas, em novembro de 1963.

Além de fazer uma ácida crítica à Guerra Fria, Stanley Kubrick aproveita também para criticar a libido masculina. Por exemplo, o General Turgidson (nome que faz referência a sua libido inchada), é um dos conselheiros do presidente. Turgidson é convocado as pressas para compor a mesa da Sala de Guerra (um imenso cenário, onde o presidente se reúne com os conselheiros). O telefonema para o general é atendido por sua secretária, com quem ele tem um caso, que por sua vez aparece apenas de calcinha e sutiã deitada na cama. Em paralelo, no avião bombardeiro, um local apertado e claustrofobórico um soldado folheia uma Playboy, em que a modelo da capa é justamente a secretária do general. (Ora veja só, mais uma ironia!) De volta à sala de guerra, o general Turgidson (que nutri verdadeiro ódio aos comunistas),  recomenda veemente ao presidente que o melhor mesmo é de fato explodir bombas nucleares na URSS e que os comunistas são um perigo a nação.

Neste meio-tempo o embaixador russo Sadesky (que recebe esse nome no filme em homenagem ao Marquês de Sade) revela a existência de um dispositivo de retaliação automático caso haja um ataque à Rússia. A existência da máquina é confirmada pelo Dr. Fantástico, que sugere uma saída para a crise. A construção de um imenso bunker nas cavernas, onde a proporção de mulheres para homens seria de 10 para 1, lógico que o general Turgidson aprova a idéia instantaneamente.

Dentre as várias ironias da história outra que é impossível deixar de citar é quando o presidente dos EUA tenta separar uma briga entre o embaixador Sadesky e o general Turgidson, dizendo: “Vocês não podem brigar aqui, por Deus, aqui é a Sala de Guerra!”. Outra sacada de Kubrick é mostrar insistentemente na base militar um letreiro que diz: “Paz é a nossa profissão”, quando na realidade estamos prestes a provocar uma tremenda guerra nuclear.

É difícil escrever uma crítica sobre um filme que eu considero um dos melhores já feitos. Principalmente quando estamos falando dos filmes de Stanley Kubrick, que já havia filmado antes outras obras primas, entretanto é, sem sombra de dúvidas, um dos melhores, deste diretor que é considerado pela crítica mundial como um gênio do cinema. Entre seus melhores filmes, alguns já citados acima, estão também: “Laranja Mecânica”, “De Olhos Bem Fechados” e “Nascidos para Matar”.

Já lançado em DVD, o filme é difícil de ser comprado e principalmente de ser encontrado para aluguel nas locadoras, entretanto, vale a pena procurar um pouquinho para comprar o DVD e se divertir com essa louca história nuclear.

 Fonte: http://www.cineplayers.com/critica.php?id=837

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Nascido para Matar / Full Metal Jacket

Texto publicado na revista Afinal de 19 de janeiro de 1988.

O recruta Joker é o único dos membros de sua turma que ousa tentar reagir à enxurrada de ordens e impropérios com que o sargento instrutor se apresenta, logo no início dos treinamentos – mas, até por isso mesmo, é promovido a líder do grupo e, na prática, entrega-se à lavagem cerebral imposta a todos os futuros fuzileiros navais. Mais tarde, no Vietnã, é capaz de manter um aguçado espírito crítico e uma boa dose de humanidade – mas, ao mesmo tempo, se diz entediado quando passa um dia sem ver sangue.

Mais ainda: traz, no capacete, as palavras Born to Kill – nascido para matar, a essência prática das duríssimas lições do período de treinamento -, mas, ao mesmo tempo, usa na jaqueta um button com o emblema hippie da paz. Questionado sobre isso por um oficial, responde: “Acho que quero mostrar a dualidade dos homens”.

Stanley Kubrick, o mais lendário dos diretores de cinema do mundo, um personagem tão mitológico quanto Orson Welles, não gosta de dar entrevistas e, especialmente, detesta quando lhe perguntam sobre o significado de seus filmes. “Se Leonardo Da Vinci tivesse escrito, embaixo da sua obra, que aquela dama sorri docemente porque tem dentes podres, nós apreciaríamos a Monalisa até hoje?”, indignou-se, certa vez. Revolta-se contra a descrição, segundo ele corrente hoje na imprensa americana e européia, de que seu novo filme seja “a história da dualidade dos homens”. Mas é, na verdade. Nascido para Matar/Full Metal Jacket (com estréia nacional nesta quinta-feira, 21 (de janeiro de 1988) é isso – e muito mais. É, sobretudo, algo como subir a um ringue para lutar contra Mike Tyson, e ser nocauteado duas vezes.

         Poucos e ótimos

afull1A imensa aura de lenda que se criou em torno de Stanley Kubrick tem a ver, basicamente, com a quantidade – mínima, ínfima – e a qualidade – estupenda – de seus filmes, mas foi recebendo, ao longo dos anos, muitos outros complementos. De fato, não há caso, na história do cinema, e especialmente entre os grandes cineastas, de uma obra tão pouco extensa. Em 34 anos de carreira (faz 60 anos no próximo mês de julho de 1988), dirigiu apenas 12 filmes. O intervalo entre cada nova obra e a anterior só tem feito crescer: nos últimos 23 anos, foram apenas seis filmes. Nascido para Matar terminou de ser produzido em 1987, nada menos que oito anos depois do filme anterior, O Iluminado/The Shining, 1979.

 Em compensação, sua filmografia escassa é uma reunião de clássicos, dos mais variados gêneros – Kubrick passeia por todos, sem qualquer constrangimento. Dr. Fantástico/Dr. Strangelove or How I Learned no Stop Worrying and Love the Bomb, 1964, é um jamais igualado manifesto antiguerra nuclear, sob a aparência de uma fábula de humor negro. 2001, Uma Odisséia no Espaço, 1968, é o exemplo mais bem acabado de maturidade da ficção científica. Laranja Mecânica/A Clockwork Orange, 1971, é uma obra-prima pessimista sobre a violência da sociedade de um futuro próximo. Barry Lyndon, 1975, é um primor de reconstituição da sociedade inglesa no século XVIII. O Iluminado/Shining é um marco do cinema de horror. Glória Feita de Sangue/Paths of Glory, 1957, é um absoluto clássico dos filmes de guerra, em um violentíssimo ataque aos militares que ficou 17 anos inédito em um país democrático como a França (a ação se passa na França da Primeira Guerra Mundial). E mesmo Spartacus, 1960, que Kubrick não reconhece como um filme inteiramente seu (ele pegou o projeto já em andamento, e o produtor e astro Kir Douglas andou dando umas mexidas na montagem final) é o que de melhor se fez em superespetáculos sobre a antiguidade.

         Cuidados extremos

afull2Foi justamente depois da experiência de Spartacus que Kubrick, um nova-iorquino do Bronx, deixou os Estados Unidos para nunca mais voltar, mudando-se para a Inglaterra, e passou a se responsabilizar pessoalmente por suas obras, em todas as suas fases. Não permite que se exiba um filme seu em qualquer país do mundo se a censura cortar qualquer cena, por menor que seja. Ele e sua equipe supervisionam diretamente os trabalhos de dublagem nos vários países. (O Iluminado chegou a ser exibido no Brasil dublado sob a supervisão de Nélson Pereira dos Santos, escolhido para a tarefa pelo próprio Kubrick.) Mais ainda: examinam as cópias que são distribuídas nos vários países. (Cópias brasileiras de Barry Lyndon tiveram que ser retiradas dos cinemas por ordem de sua equipe, por estarem com imperfeições.) Mais ainda: supervisionam até mesmo os cartazes publicitários distribuídos nos grandes países. Para a estréia de Laranja Mecânica em Nova York, chegou até mesmo a mandar pintar parte das paredes de um cinema (a parede perto da tela era branca e, segundo ele, isso causava reflexos claros na tela).  

Isso são fatos. Criaram-se, naturalmente, histórias fantasiosas em torno de Kubrick, que ele se apressa a desmentir. Não é verdade, por exemplo, a história segundo a qual ele não permite que seu motorista passe de 60 quilômetros por hora. (Mas ele não desmente, por exemplo, o seu medo de viagens de avião, que o leva a ficar praticamente recluso na Inglaterra – vive nos arredores de Londres, com a mulher, a ex-atriz e hoje pintora Christiane Harlan, com quem teve três filhas.) Nega, igualmente, que seu perfeccionismo mitológico o faça rodar cada tomada cem vezes. Diz que depende dos atores: se um ator sabe direitinho as suas falas, e diz o que tem que dizer com a emoção necessária, e não simplesmente recitando um texto decorado, cada tomada pode ser repetida apenas até umas dez vezes.

         Quando há o milagre

 Nascido para Matar estreou nos Estados Unidos em junho passado (1987) – alguns meses, portanto, depois de Platoon, a grande obra do ex-combatente Oliver Stone que foi considerado o filme definitivo sobre a guerra do Vietnã, fez imenso sucesso de bilheteria e foi o grande ganhador do Oscar do ano passado. Oliver Stone passou sete anos tentando achar quem topasse financiar um filme sobre o Vietnã – mas Nascido para Matar não poderia jamais ser definido como um filme que procurou seguir a onda de revival do tema provocada por Platoon. Kubrick dedicava-se a seu novo projeto há um longo tempo – como é de seu feitio.

Ele levou um ano para escrever o roteiro, outro ano de preparativos, ou pré-produção (escolha de locais de filmagens, do elenco), 20 semanas para rodar o material – com uma interrupção de quatro meses e meio, devido a um grave acidente automobilístico com o ator Lee Ermey – e nada menos que um ano de montagem e toda a pós-produção. Ou seja: quase quatro anos, no total.  

De qualquer forma, quando perguntaram a Kubrick por que ele não fez um filme sobre o Vietnã mais cedo, ele respondeu: “Unicamente porque eu não achei um bom livro mais cedo”.

É outra característica exemplar de Kubrick, e que o afasta totalmente dos demais grandes cineastas, como Woody Allen, Ingmar Bergman ou Federico Fellini: Kubrick não trabalha com argumentos próprios. “Não estou muito certo se seria capaz de escrever um roteiro original”, disse em entrevista à redatora-chefe da revista francesa Première. Prefere adaptação de livros. Lê demais, de tudo, à procura de alguma coisa pela qual se apaixone profundamente. “Há poucos bons livros, e os bons livros são difíceis de adaptar sem que sejam estragados”, diz. “Achar uma boa história que se transforme em um bom filme é realmente um milagre. Quando esse milagre acontece, eu faço um filme.”

O milagre que deu origem a Nascido para Matar é um pequeno livro de 130 páginas, “escrito de uma forma muito direta, com frases curtas, que contém afirmações simples”, chamado The Short Timers, de Gustava Hasford, que foi fuzileiro naval e correspondente de guerra no Vietnã. Kubrick se encantou com “a originalidade, a beleza de estilo, a simplicidade”. Trabalhou a maior parte do tempo sozinho na feitura do roteiro; depois, teve a colaboração de Michael Herr – que trabalhou também no outro filme genial sobre a guerra do Vietnã, Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola – e, finalmente, nas três últimas semanas antes do início das filmagens, com o próprio autor do livro.

         Como na vida real

afull3Para a escolha do elenco, Kubrick pediu que jovens atores lhe enviassem fitas de videocassete, em que cada um falava um pouco de si, e representava uma cena qualquer, de sua livre escolha. O próprio diretor viu pessoalmente cerca de 800 fitas, antes de definir-se pelo elenco de apoio. Foi através de uma dessas fitas de vídeo que Kubrick chegou ao ator Vincent D’Onofrio, que faz o fundamental papel do recruta Pyle. (Quem viu O Iluminado certamente notará como Vincent D’Onofrio faz lembrar, em uma cena crucial do novo filme, a interpretação de Jack Nicholson naquele outro.)

O papel do recruta Joker, o narrador da história, ficou com Matthew Modine (ao centro na foto acima), que trabalhou em Asas da Liberdade/Birdy, de Alan Parker. Para o papel do sargento instrutor Hartman, Kubrick contou com uma grande dose de sorte: o sargento é interpretado – maravilhosamente – por Lee Ermey, que foi, ele mesmo, na vida real, um sargento instrutor de fuzileiros navais. Lee Ermey foi inicialmente contratado como consultor técnico, por seu conhecimento prático do assunto, e acabou ajudando até mesmo na elaboração dos diálogos. Boa parte dos xingamentos que o sargento Hartman dirige aos recrutas, violentíssimos, e às pencas, foi criada pelo próprio Ermey, com sua experiência de caserna da vida real.

         Sem maniqueísmos

Se filmes como Os Boinas Verdes e os Rambos da vida são uma exaltação escancarada à intervenção americana no Vietnã, O Franco Atirador/The Deer Hunter mostra os soldados americanos como bons rapazes patrióticos e os vietcongs como sanguinários, Apocalypse Now é um painel fantástico, tresloucado, delirante sobre o absurdo da guerra, e Platoon, com toda sua carga de crueza e realismo, mostra os lados opostos de um sargento bárbaro e psicopata e um sargento bom, honesto, de grande coração, Nascido para Matar vem para acabar definitivamente com todos os maniqueísmos. Quando Kubrick encantou-se com o livro de Gustav Hasford, ele notou que da obra não se poderia dizer, simplificadamente: é a favor da guerra, ou é contra a guerra. “Fazer um filme de guerra para dizer simplesmente que não deveria ter havido guerra é insuficiente”, diz Kubrick. “Até os generais estão de acordo com esta afirmativa.”

Em Nascido para Matar, não há os bons e os maus – há seres humanos, essa complexa mistura de todas as coisas, que cria obras de arte perenes e se encanta com o poder dos pentes de balas de cápsula de metal (o full metal jacket do título em inglês). E talvez por isso mesmo assistir ao filme seja como enfrentar os punhos de Mike Tyson – talvez ainda mais doloroso que ver as verdades de Apocalypse Now ou de Platoon.

A narrativa parece propositadamente dividida em três atos, ou três movimentos. Como em um concerto, o segundo movimento é o mais suave dos três. Ao fim do primeiro, assim como quase ao fim do terceiro, Kubrick joga o espectador na lona.

afull4O primeiro movimento é o treinamento de um grupo de recrutas dos fuzileiros navais. Nada do que o cinema já mostrou, em seus libelos antimilitaristas mais escancarados, em termos de esmagamento das individualidades de jovens pela máquina que ensina a matar, se compara ao que Kubrick vai mostrando com uma crueza desavergonhada. É tudo em tom maior, literalmente. O sargento instrutor jamais fala – ele berra o tempo todo, insulta, arrasa, destrói os recrutas. Retira-lhes até mesmo os nomes. Mas não transparece a intenção de mostrar que ele é um masoquista, um louco varrido – nem que ele é um grande homem. Mostra-se que aquele é o seu trabalho, é para isso que o Estado o paga: para transformar jovens de 18 anos de idade em exímios assassinos.

O segundo movimento é quase um entreato. O ex-recruta Joker já é um sargento, está no Vietnã, mas não está na linha de fogo; trabalha no Star and Stripes, o jornal dirigido aos soldados americanos e encarregado de passar a impressão de que a guerra está indo bem.

Joker vai experimentar a linha de frente no terceiro movimento, nas ruínas de Hué, durante a ofensiva do Tet, em 1968, que começou a mudar os rumos da guerra. Reencontra-se com um antigo colega dos tempos dos treinamentos, Cowboy; seu pelotão avança pelas ruínas da cidade em direção ao local em que um franco-atirador vietcong consegue abater os americanos. É o momento do segundo nocaute do filme – e não teria sentido descrevê-lo -, uma dilacerante metáfora sobre o que foi a invasão do Vietnã por quase 3 milhões de bem armadíssimos soldados da nação mais poderosa do planeta.

Kubrick entende que a guerra do Vietnã terá servido “para ilustrar, uma vez mais, que hoje nenhum país pode ocupar um outro, se esse outro não quer saber dele”. Ao custo de dezenas de milhares de mortos, os soviéticos estão aprendendo hoje esta lição que os americanos começaram a aprender no Vietnã, e já falam na data de saída do Afeganistão. Quem vir Nascido para Matar haverá de botar essa lição na cabeça – ao custo de enfrentar os punhos de Mike Tyson.     

Fonte: http://50anosdefilmes.com.br/1988/nascido-para-matar-full-metal-jacket/