quinta-feira, 31 de março de 2011

Coen Brothers




Fargo
Ethan e Joel Coen
Roteiro   136 páginas
Tradução de Toni Marques

Crônica de um crime sem paixão

Os irmãos Ethan e Joel Coen são responsáveis por uma das poucas marcas autorais no cinema americano atual, baseada na alta estilização visual e na imaginação alucinante de suas histórias. O roteiro de Fargo, vencedor do Oscar de melhor roteiro original de 97 que integra agora a coleção Artemídia, é o primeiro que a dupla escreve a partir de um evento real: um crime realizado na cidadezinha interiorana de Fargo (no estado americano de Minnesota) no gélido inverno de 1987.

O texto trabalha de forma brilhante os elementos absurdos do crime, fazendo comédia com a sua dimensão bizarra. Jerry Lundegaard é um vendedor de carros endividado que contrata dois marginais para sequestrar sua esposa. A idéia é exigir resgate ao sogro abastado, pagando uma parte para a dupla e ficando com o resto.

O crime dá errado, gerando uma série de mortes que são investigadas pela policial Marge Gunderson - a imagem inversa dos policiais de cinema americano. Grávida de sete meses, suave e de bom senso e caráter, Marge é uma exceção entre os perso-nagens do filme: uma galeria de gente comum, a princípio gentil, mas que parece agir sem jamais pensar em consequências dos seus atos. A interpretação da policial rendeu a Frances McDormand o Oscar de melhor atriz.

Fargo é um retorno dos autores à suas origens interioranas. Ele joga com os maneirismos, cadência e expressões locais - combina a narrativa sobre crime e cobiça a uma crítica ácida sobre um lugar vazio, de pessoas vazias, mas que pode gerar uma tragédia amoral. Segundo o ator William Macy (que interpreta Jerry), o roteiro de Fargo é "um dos melhores dos últimos tempos. Um exemplo perfeito da definição de grotesco, consegue ser atraente e repulsivo ao mesmo tempo".

Perfil

Os irmãos Ethan e Joel Coen formam a dupla mais harmônica do cinema atual. Ethan produz, Joel dirige e ambos assinam os roteiros de seus filmes, aclamados pela crítica e festivais de cinema. Entre os sucessos da dupla está a comédia "Arizona nunca mais", "MIller's Crossing" e "Barton Fink" - vencedor dos prêmios de melhor filme, melhor diretor e melhor ator (John Turturro) do Festival de Cannes em 1991.

Joel Coen frequentou a New York University Film School, tendo trabalhado em diversos filmes de baixo orçamento, inclusive com Sam Raimi no clássico "Evil Dead". Ethan é formado na Universidade de Princeton.

Fargo retoma o estilo do primeiro filme dos irmãos Coen, "Gosto de Sangue", sendo foi indicado para o Oscar nas categorias de melhor filme, roteiro original, atriz, ator coadjuvante, fotografia, direção e edição.






Irmãos Coen retomam ironia em 'Onde Os Fracos Não Têm Vez'

O humor negro e uma fina ironia diante do lado escuro da alma humana frequentam habitualmente a obra dos irmãos cineastas Joel e Ethan Coen (Fargo e E Aí Meu Irmão, Cadê Você?). Mais uma vez, este é o tom em Onde os Fracos não Têm Vez.

O roteiro, também assinado pela dupla, parte do romance Onde Os Velhos Não Têm Vez, do norte-americano Cormac McCarthy, considerado um dos melhores escritores em atividade dos Estados Unidos.

Na fronteira do Texas, região do Rio Grande, um sujeito comum chamado Llewelyn Moss (Josh Brolin, Planeta Terror) encontra uma picape cercada de corpos, com US$ 2 milhões e uma grande quantidade de heroína.

Moss nem desconfia que ao pegar do dinheiro desencadeará uma série de acontecimentos que poderão culminar em sua ruína. Especialmente porque isso coloca em seu caminho Anton Chigurh (Javier Bardem, de O Amor nos Tempos do Cólera), um assassino sem escrúpulos ou limites.

A terceira peça desse jogo é o xerife Ed (Tommy Lee Jones, de No Vale das Sombras), a voz da razão nesse inferno povoado por homens sem escrúpulos. Ele está prestes a se aposentar. Este poderá ser seu último caso antes do adeus à profissão, a mesma, aliás, de seu pai e avô.

Chigurh não mede esforços para ir atrás daquilo que julga ser seu e foi roubado. Isso significa dizer que absolutamente ninguém fica em seu caminho - aparentemente, ninguém sobrevive a um encontro com esse homem, é bom dizer.

Indicado ao Oscar de coadjuvante por esse trabalho, o ator espanhol Javier Bardem parece vestir Chigurh como uma segunda pele. Seu olhar sempre parado, seu corte de cabelo engraçado e suas atitudes imprevisíveis transformam-no numa das figuras mais assustadoras do cinema dos últimos tempos.

Essa interpretação já lhe rendeu diversos prêmios, como o Globo de Ouro e o do Sindicato dos Atores da América, e o coloca como favorito para o da Academia de Ciências e Artes Cinematográficas, que será anunciado dia 24 próximo.

O tom irônico dos filmes dos Coen encontrou na obra de McCarthy uma profundidade muito bem-vinda abordando uma história tipicamente norte-americana de ambição desmedida, onde será inevitável correr muito sangue.

quinta-feira, 24 de março de 2011

O Império dos sentidos



PSICOCINE, DIA 116, FILME 56 - IMPÉRIO DOS SENTIDOS

Filmezinho japonês para animar a noite de domingo!

Mentira, gente, o filme de Nagisa Oshima, "O império dos sentidos" (1976), causa estranhamento e desconforto logo nos primeiros minutos.

A cena é a seguinte: Sada e seu amante vem andando por uma ponte. Sada está com a mão dentro do quimono do parceiro. Segurando o pênis dele. Isso mesmo: em vez de segurar a mão, Sada é dessas que prefere passear segurando um pênis. Porque Sada é assim, precisa ser possuída a qualquer momento.

Duas cenas depois, uma senhora vem servir saquê na alcova do casal e deixa escapar que nenhuma das garotas quer mais servi-los. O motivo? Eles não param de fazer sexo. E, de fato, mal a senhorinha acaba de falar, Sada fica de quatro, o amante levanta-lhe o quimono e pronto. Em meia hora de filme, deve ser a octogésima cena de sexo.

O que me faz pensar que a Sada, minha gente, não existe. Uma mulher assim só mesmo na ficção. E, de preferência, construída por alguma mente masculina. Improvável uma mulher assim, sexual 24 horas por dia. Sada, cá com os meus botões, é a prima japonesa daquela protagonista de "A casa dos budas ditosos", do João Ubaldo Ribeiro.

O filme vai avançando e provocando no espectador uma sensação de mal-estar quase insuportável. O sexo, que já não era lá muito celebrativo desde o começo, vai ficando mais e mais doentio, patológico, mortífero. Sada passa a ameaçar seu homem com uma faca, estrangulá-lo durante o sexo. E ele gosta.

Até que, numa dessas estranguladas, ela acaba matando. Mata e, não satisfeita, pega a faca e toma o pênis dele. Psicanaliticamente falando, era isso o que ela queria desde o começo, não era? O pênis dele. (A tal inveja do pênis, "O império dos sentidos" leva isso ao extremo)

O mais interessante é saber que o filme é baseado em uma história real, acontecida no Japão em 1936.



Leia aqui um pouco mais sobre a censura no cinema brasileiro: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u478558.shtml


quinta-feira, 17 de março de 2011

Cinema da Retomada





O Invasor
(Invasor, O, 2001)

Por Alexandre Koball

Um ótimo policial urbano ambientado nas ruas de São Paulo. O cinema nacional cresce.

Beto Brant mostra que o cinema brasileiro já voltou à fase adulta, e não nos faz depender apenas de eventuais sucessos (Cidade de Deus, por exemplo), pra ser respeitado. Isso mesmo, O Invasor é um filme ousado, inteligente, com uma fotografia inovadora, realista, mas acima de tudo, é um filme bom pra cacete, que faz pensar mas também entretém o espectador.

Temos como figuras centrais Ivan (Marco Ricca) e Gilberto (Alexandre Borges), dois amigos e sócios de uma construtora, juntamente com Estevão (George Freire). Acontece que este último, o sócio majoritário, está criando problemas para os outros dois, ameaçando desfazer a sociedade. A solução encontrada é contratar um assassino de aluguel (o titã Miklos) para acabar com Estevão. O que eles não esperavam é que, após o serviço feito, Miklos, com seu jeito de bandido malandro, do tipo “não tou nem aí pra esses caras”, resolve se intrometer na empresa. Acuados, Ivan e Gilberto não podem fazer nada a não ser ver esse completo e perigoso desconhecido fazer parte do dia-a-dia da construtora.

O melhor de O Invasor é ser um suspense policial tenso desde o início, ajudado pela ótima atuação de Paulo Miklos e sua cara-de-pau para se intrometer nos negócios dos outros personagens. O ator-cantor se dá muito bem em sua estréia na profissão, embora cometa erros primários em um ou dois momentos (o principal é olhar para a câmera quando não devia). Ele tem inclusive um monólogo rápido em frente ao espelho imitando De Niro em Taxi Driver.

As coadjuvantes Mariana Ximenes (que já fez papel de patricinha em algumas novelas da Globo), e sobretudo Malu Mader (como é bom vê-la de novo na tela), estão ótimas no filme, esbanjando sensualidade e bastante talento também. Ximenes talvez tenha o papel mais ousado de sua carreira, até o momento, com seu relacionamento utópico entre ela e Anísio (o personagem de Miklos). Filha do empresário morto por ele, a atriz vive a típica adolescente rebelde de classe média-alta. A sua atuação é muito convincente, e o filme dá de presente a seus fãs momentos bem “calientes”.

Contudo, nem o clima tenso, muito menos as boas atuações de todo o elenco seriam capazes de segurar tão bem o filme se não fosse a ótima direção de Beto Brant. Câmeras trêmulas, atores encarando o espectador, cores fortes, com muito contraste, longos takes sem cortes dão o tom do filme, o que faz 'O Invasor' ser fácil de ser apreciado visualmente, a não ser que você seja um espectador deveras antiquado. Brant também nos brinda com cenas ousadas das atrizes Ximenes e Malu Mader, porém evitando ao máximo (e sendo bem sucedido) entrar no vulgar, fugindo do estereótipo de que todo filme brasileiro deve ter sexo para vender. Há sim, sexo, mas você pode assistir com qualquer pessoa sem se constranger muito (bem, pelo menos a maioria das pessoas).

Outro tema presente no filme é a alienação que existe entre muitos empresários bem-sucedidos, que tendo conquistado muita coisa na vida (carreira, família, dinheiro), ainda não se vêem satisfeitos. Isso fica muito explícito pelos personagens Ivan e Gilberto, cuja principal prioridade é a de “se dar bem”, doa a quem doer. O filme analisa as conseqüências desse comportamento, traçando destinos interessantes para esses personagens.

Talvez o único ponto fraco de O Invasor seja o fato de que em certos pontos a trama envolvendo algumas reviravoltas (como um final que tenta surpreender o espectador) é bastante confusa, obrigando a quem assiste a ficar muito atento para entendê-las. Caso você não consiga entender tais reviravoltas de primeira, tudo bem, o filme não é apoiado aí, e a história, num sentido generalizado, é de fácil entendimento. O final do filme é bem marcante e forte, fazendo o espectador pensar no que viu assim que o filme acaba – característica somente pertencente a filmes de ótima qualidade. Ah, faltou citar a trilha sonora, que é pesada ao extrema, e dá ainda mais força ao roteiro do filme.

Com seqüências marcantes, principalmente as envolvendo Miklos, 'O Invasor' é a prova que o cinema brasileiro está em processo de evolução e, embora o filme de Beto Brant não seja uma obra-prima, é bastante poderoso e muito bem dirigido e interpretado. Para o mercado nacional, nos últimos anos, existem apenas alguns poucos títulos superiores.


Amarelo Manga
(Amarelo Manga, 2002)

Por Tony Pugliese          

Mais um bom filme nacional, em um emaranhado de histórias interessantes e bizarras - mas não menos reais.

Cláudio Assis, diretor de Amarelo Manga, já tinha muita experiência com curtas metragens. Não é a toa que, em 1999, filmou O Brasil em Curtas - Curtas Pernambucanos. E é justamente essa a sensação que temos ao assistir Amarelo Manga. A sensação de que o filme, apesar de ser um longa metragem, é, na verdade, um apanhando de curtas que se entrelaçam para contar uma história maior. A narrativa da película, bem como seu desenvolvimento, apesar de trazerem elementos bem simplórios, agrada.

É um filme de baixo orçamento, como já poderíamos presumir. Mas ainda assim, "cheio de vida". O filme tem uma fotografia muito bonita, colorida, que cai em contraste perfeito com os lugares apresentados: um boteco velho, um hotel caindo aos pedaços que hospeda todo tipo de gente, um matadouro. Enfim... Ah, só a título de curiosidade, o hotel do filme, chamado de "Texas", é uma homenagem do diretor a si próprio (veja só...), visto que Cláudio havia filmado e produzido, também em 1999, o filme 'Texas Hotel'.

Como já fora dito, o filme é uma sucessão de curtas histórias envolvendo um bar e um hotel na cidade de Recife, que nos revela um mosaico de personagens vivendo em um bairro pobre da cidade. Um açougueiro e sua mulher evangélica, um necrófilo apaixonado pela dona de um bar, um homossexual apaixonado pelo açougueiro e outros, muitos outros personagens.

É interessante notar um detalhe logo na parte inicial do filme. Claro, impossível deixar que esse detalhe passe despercebido. Se você é daqueles que come algo no cinema enquanto assiste a um bom filme, certamente notou. O filme revela e mostra com brilhantismo a situação higiênica em que a população que mora nesses subúrbios do Recife (e em todo Brasil) está confinada. Sim, há um mínimo de higiene, entretanto, a discrepância assusta. Pegue, por exemplo, o açougueiro. Para quem ainda não assistiu a película, apenas digo que o processo que a carne leva das mãos do açougueiro até os pratos de comida dos moradores é um dos menos higiênicos possíveis. Não há como não sentir um embrulho no estômago enquanto assistimos a essa seqüência. E para completá-la, e "enojar" o público de vez, a personagem de Dira Paes, Kika, a evangélica, vomita ao preparar a carne na varanda de sua casa e, segundos depois, lá está seu gato de estimação lambendo tudo aquilo. Não dá para ficar indiferente. Méritos do filme.

As atuações chamam bastante atenção, principalmente as femininas. Leona Cavalli (de Carandiru), faz o papel de Lígia, a dona do bar. Uma mulher de atitude, forte, enérgica e "arretada", que não leva desaforo para casa. Leona está demais! A cena em que ela contracena com Jonas Bloch (bom ator, de Histórias do Olhar) no bar quando o mesmo a provoca pela cor de seus cabelos é, no mínimo, engraçada!

Puxando o lado masculino das atuações temos ele, claro, sempre ele, Matheus Nachtergaele (de dois soberbos filmes nacionais: Cidade de Deus e O Auto da Compadecida). Nachtergaele interpreta Dunga, o homossexual que ajuda a manter o hotel Texas e é apaixonado pelo açougueiro. Infelizmente, não vemos Matheus em outra grande participação em um filme, até porque seu papel é pequeno e bem reduzido pela história, que, convenhamos, é muito simples. Mas ainda assim, ele está alegre e jogando o astral do filme lá para cima, como de costume. Outra pessoa que merece atenção é Dira Paes, a Kika. A garota faz um personagem bem simples a primeira vista, mas depois de uma reviravolta já esperada pouco após a metade do filme, seu personagem se transforma completamente, nos fazendo esquecer da jovem e santa evangélica. Ótimo trabalho.

A trilha sonora, infelizmente, é fraca. Durante algumas passagens do filme, vemos até alguns esboços por parte da equipe de Cláudio Assis de realmente inserir algo que chamasse a atenção do público, entretanto, como disse, esse esforço não passa de um esboço. Não há uma trilha sonora consistente em Amarelo Manga durante todo seu tempo de projeção.

O filme ainda conta com um ponto fraco, sua história. Não me levem a mal, ela é muito bem contada e apresentada, porém, é muitíssimo simples. O filme sofre do mesmo mal de um outro que critiquei há pouco tempo atrás, Irreversível, de Gaspar Noe. Excelente desenvolvimento de uma fraca história, infelizmente.

Amarelo Manga ainda recebeu, no Brasil, uma pesada censura 18 anos. Em minha humilde opinião, uma censura pesada demais para um filme que quase não apresenta violência. Sim, há uma cena em que o necrófilo dá uns tiros num cadáver morto arranjado por um amigo do IML em troca de maconha, uma ou outra cena de sexo e, claro, o que deve ter pesado, a atriz Leona Cavalli mostrando sua vagina sem pudor algum a Jonas Bloch. Pode parecer pesado isso tudo no meio de tantas palavras, mas acredite, não é. Quatorze ou dezesseis anos já seria uma censura de bom tamanho.

Enfim, acredito que muitas pessoas poderão gostar de Amarelo Manga. O filme foi realmente pouco divulgado quando lançado nos cinemas nacionais, mas certamente vale a pena dar uma conferida nas locadoras. O ritmo do filme não irá agradar a todos, mas tenho certeza que a maioria terá tido uma boa tarde de entretenimento após assistir à 'Amarelo Manga'. Mais um bom filme nacional.

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