quinta-feira, 14 de abril de 2011

Walter Salles






Abril Despedaçado
 (Abril Despedaçado, 2001)
Por Alexandre Koball

Um sólido e importante drama para o cinema nacional, mostrando que Walter Salles continua em forma.

A cada crítica de um filme brasileiro (ou mesmo latino), repito a mesma coisa: nosso cinema (e dos nossos vizinhos) está crescendo em um ritmo bastante razoável. Hoje já é possível ver nas salas de cinema, em bastante número, filmes falados em português e espanhol que, na sua média, são melhores do que os norte-americanos. Coisa que na primeira metade da década de 90 acontecia muito pouco. Está crescendo a quantidade e a qualidade dos filmes. No caso do Brasil, tudo começou com a surpreendente indicação ao Oscar de O Quatrilho, que fez todo mundo voltar os olhos para o nosso cinema. A partir daí, ganhamos destaque ainda maior com O Que É Isso, Companheiro?, filme de Bruno Barreto também indicado ao Oscar e, principalmente, Central do Brasil, filme que conseguiu um feito raro: indicar uma atriz que não fala idioma inglês para melhor do ano. Ao lado de Central do Brasil, Fernando Montenegro foi indicada ao Oscar de 1998. Nem filme nem atriz levaram o prêmio, mas valeu a experiência e ficou o orgulho.

Mas o melhor ainda estava por vir. Cidade de Deus  foi “O” filme nacional, que fez milhares de pessoas se voltarem definitivamente ao cinema daqui, prova disso é o sucesso comercial de Deus é Brasileiro. Confesso que apenas passei a me interessar pela cinemateca nacional a partir do lançamento do filme de Fernando Meirelles. E garanto: vale à pena ir atrás de outros filmes nacionais. Abril Despedaçado é um deles. Ele é o novo projeto de Walter Salles depois de Central do Brasil. Foi feito com grandes pretensões artísticas, mas acabou saindo frustrado das grandes premiações, ganhando uma indicação ao Globo de Ouro, mas ficando de fora do Oscar.

Abril Despedaçado também foi muito mal lançado, pelo menos aqui no Brasil. O filme saiu meses antes nos cinemas norte-americanos (por causa da possibilidade de uma indicação ao Oscar), e somente no final do primeiro semestre de 2001 apareceu no Brasil (já tendo sua imagem bastante desgastada). Certamente a indústria do cinema nacional ainda tem muito o que melhorar, pois Abril Despedaçado é um filme tão bom quanto Central do Brasil, e teria merecido um lançamento nacional em larga escala. Acabou se dando melhor nas locadoras, meses depois. Pelo menos isso...

O tema rural-nordestino, presente em Central do Brasil, continua em Abril Despedaçado. É um filme que fala da pobreza, e da falta de informação das pessoas (estou generalizando aqui) do interior do interior do Nordeste brasileiro que, vivendo sem esperança, pouco fazem – e pouco querem fazer – pra mudar sua situação. Se bem que o filme se passa em 1910, e se hoje ainda há muita desinformação para a população miserável, imagine naquela época.

Basicamente, é a história de uma disputa sem fim entre duas famílias. Tonho (Rodrigo Santoro) deve vingar o nome da sua família matando o filho mais velho da família rival (que matou antes um membro de sua família). Acontece que assim que realizar a vingança, ele sabe que, com a chegada da próxima lua cheia, ele também será morto, e não há nada que os chefões das famílias façam nem queiram fazer para este ciclo ter fim. Quando a camisa manchada de sangue do morto anterior amarela, é hora de se vingar.

É uma história muito triste. O trabalho das pessoas é difícil, repetitivo e não dá esperança nenhuma (eles produzem rapadura). Talvez morrer não seja tão mau, portanto. Mas a esperança eventualmente chega para Tonho, quando ele encontra em seu caminho um casal de artistas de circo de rua, e se apaixona pela mulher. Logo, Tonho finalmente vê um novo significado para a sua vida e tenta convencer seu pai que a disputa entre as famílias nunca levará a lugar nenhum (o que é verdade). A partir daí, Tonho vive o dilema de ou cumprir o seu papel, sendo morto, em respeito a seu pai, ou tentar acabar com a disputa.

Rodrigo Santoro, que faz Tonho, é hoje o melhor ator de sua geração no cinema brasileiro. Não é à toa que está em vários filmes importantes, como Bicho de Sete Cabeças e logo logo vai aparecer em Carandiru (além de também fazer uma ponta em As Panteras 2). Mesmo tendo fama de galã, ele convence como um rapaz pobre e sofrido do campo (o que poderia ser difícil de acontecer, já que o público liga ele diretamente a uma imagem de riqueza e glamour). Assim como em Central do Brasil, há também um menino que tem papel importante no filme. Interpretado por Davi Ramos Lacerda, Pacu é o irmão mais novo de Tonho, que tenta dar apoio a ele ao mesmo tempo que leva cacetada do pai por causa disso.

Tirando as belas interpretações de todo o elenco, e ao lado de Rodrigo Santoro, o principal destaque do filme é a fotografia. A equipe de produção conseguiu transformar o seco e sem graça sertão nordestino em um lugar belíssimo, com um contraste lindo entre o marrom da terra e o azul incessante do céu, explorando bem elementos como a noite e o pôr-do-sol. É talvez uma das mais belas fotografias do cinema brasileiro nos últimos anos.

Com todas suas qualidades, Abril Despedaçado não está livre de falhas. No final, é mais um filme sobre a pobreza e desesperança do povo nordestino. O filme também peca por não aprofundar certos pontos, como a briga entre as duas famílias (a história de Tonho é mais importante do que a disputa, no final das contas), e não dá pra deixar de pensar o tempo todo que o filme, enquanto belo, é extremamente estilizado, moldado para a arte, o que é sem dúvida algo bastante pretensioso. Filmes americanos fazem isso o tempo todo quando querem ser indicados ao Oscar. Você nunca ouviu a frase: “este filme foi feito para o Oscar”?

Mas, com toda a certeza, os pontos fortes sobressaem-se em relação aos pontos fracos, e o saldo geral é que Abril Despedaçado é um filme muito bom, de boas atuações e com uma história, embora já contada tantas vezes, muito boa. É uma lição de esperança, força-de-vontade e coragem em um cenário que não oferece nada disso. Vale a pena ser assistido.




quinta-feira, 7 de abril de 2011

The kids aren´t all right




Tiros em Columbine
(Bowling for Columbine, EUA, 2002)
Por: NIC1138

Os elogios que Tiros em Columbine têm arrancado ao redor de todo o mundo são merecidos. O filme é excelente.

Michael Moore é um comediante ativista, mais ativista do que comediante, que briga desde a década de 1980 com o governo americano e as grandes empresas que o controlam, e tenta ser um oásis de bom-senso em meio à alienada mídia americana que também é um constante alvo de suas críticas.

Moore já tinha experiência como jornalista desde 1976 antes de ingressar na carreira cinematográfica com o aclamado filme Roger & Me de 1989. Ele também dirigiu uma série para a televisão chamada TV Nation de 1994 a 1995.

O filme possui um formato muito bom, a profundidade com que aborda os temas é razoável e a porção comédia também é bacana - apesar de ser aflitivo o fato de não sabermos se algumas coisas mostradas lá são mesmo risíveis. Moore usa o incidente em Columbine como pretexto para expor a cultura estadunidense de submissão ao medo e de alienação em massa. Gente de todo o tipo aparece no filme, desde estudantes da escola, moradores da cidade de Littleton e caipiras membros de milícias, a prefeitos canadenses, professores universitários e astros do rock.

Os filmes de Michael Moore possuem algo muito difícil de se encontrar em um documentário: são bastante pessoais. Ele não é um reporter profissional fazendo uma cobertura de um assunto, ele é claramente um cidadão que tenta compreender o que há de errado dentro de sua comunidade, e esse toque pessoal é o que faz a diferença. Nota-se como Michael vai desenvolvendo suas críticas e argumentações ao longo do filme, enquanto que nós mesmos vamos formando novas opiniões sobre os assuntos tratados.

Mas esse ar pessoal do filme nem sempre funciona bem. Vez ou outra sente-se um certo grau de parcialidade inadequado, e em alguns instantes Moore aumenta as coisas usando desonestos recursos cinematográficos, e também atuando em papéis de indignação sem conseguir convencer muito. Mas no fundo percebe-se que não são erros maiores do que se pode desculpar com o velho ditado "errar é humano".

Não é só a preocupação pessoal de Moore que fica clara no filme. Um dos entrevistados no filme é Matt Stone, que só por ser um dos criadores do desenho South Park já merecia ter espaço para alguma opinião mostrada. Mas ele mostra que não é só um artista que resolveu fazer aquele programa "do nada". Ele estudou no mesma Columbine anos antes da tragédia, muito próximo portanto da cultura em que aquilo ocorreu, e na entrevista vê-se como existe muito de pessoal em seu tabalho. A entrevista com o shock rocker Marilyn Manson também é muito boa, e vai chocar quem nunca viu antes a maturidade com que ele se expressa fora dos palcos.

E por falar em animações com críticas aos costumes norte-americanos, Tiros em Columbine traz, durante sua projeção, uma animação muito legal criada por um tal de Ryan Sias e feita em Flash.

Pra terminar: Moore e o filme fazem parte de uma história maior que você só poderá conhecer acompanhando notícias nos jornais. Um bom lugar pra começar é o site oficial do diretor anunciado no final do filme (depois de tocar What a Wonderful World interpretado por Joey Ramone). Se você também gosta de não-ficção, não deixe de visitar o site! O pau está quebrando feio nos EUA desde o fatídico evento daquele 11 de Setembro, e parece que será justamente sobre esse quebra-pau que o próximo filme de Michael Moore vai falar.







Elefante
Elefante (Gus Van Sant, 2003)

Como é horrível e belo o dia que ainda não vi: Elefante de Gus Van Sant

John é levado para escola por seu pai completamente alcoolizado. Elias tira fotos de um casal no parque próximo ao colégio. Nathan e Carrie combinam o seu fim de semana com os amigos em meio a uma suspeita de gravidez. É assim, e com mais cinco visões, que Gus Van Sant caracteriza o massacre na Columbine High School.

Elefante ganhou a Palma de Ouro e o prêmio de melhor diretor no festival de Cannes em 2003. Em um de seus filmes mais notáveis Gus Van Sant narra o atentado de Columbine, que ocorreu nos EUA em 1999. Diferente de Tiros em Columbine de Michael Moore em que o massacre foi utilizado como ferramenta política, Van Sant humaniza a tragédia, narrando seus antecedentes de maneira delicada e sutil.

Apesar deste diferente ponto de vista Elefante também contém uma crítica política, porém de maneira mais disfarçada. O símbolo do partido republicano nos Estados Unidos, maior representante do conservadorismo e também maior entusiasta da livre distribuição de armas de fogo, é um elefante.

A construção dos momentos anteriores ao ataque é feita a partir do ponto de vista de vários personagens, alguns já citados no início deste texto. Cada um deles representa, alguns de maneira mais clara do que outros, segmentos sociais do high school americano. Entre eles o atleta, as jovens fúteis, a menina com poucos amigos, o artista, entre outros.

A construção fotográfica e a montagem foram essenciais para estabelecer esses pontos de vista distintos de um mesmo acontecimento. A câmera funciona, durante toda a ação, como um espectador próximo. Os quadros oscilam entre grandes planos gerais, que caracterizam o espaço diário de cada um dos personagens, e longos planos seqüência, que acompanham o caminhar por entre os corredores da escola.

O baixo contraste da foto merece ser destacado por estabelecer visualmente a apatia que rondava a vida dos personagens. Van Sant utilizou, para destacar momentos tranqüilos da vida de alguns personagens, a câmera lenta, dando um visual muito calmo para momentos que antecedem um fato tão tenso.

A montagem, feita em moviola, assume um papel importantíssimo na construção temporal da narrativa. Múltiplos eventos simultâneos são apresentados de maneira linear. Algumas marcas são repetidas, juntando as ações que são apresentadas de diferentes pontos de vista.

Elefante consegue de maneira excepcional caracterizar a vida dos adolescentes americanos. O filme aponta a distância entre os grupos sociais que convivem diariamente, contextualizando, em parte, a dura vida de alguns adolescentes.

Os diálogos são pouco trabalhados nesta narrativa. As falas servem somente para apresentar a rotina de cada um dos personagens e estabelecer a dinâmica da escola. A trilha sonora, por outro lado, é muito bem trabalhada e, com a escolha de músicas clássicas muito tranqüilas, cria uma oposição ao drama do atentado.

O ritmo deste trabalho de Gus Van Sant é, como na maioria de seus filmes, bastante lento e focado principalmente nos indivíduos que realizam ou sofrem a ação. A tensão é estabelecida pela temporalidade única de Elefante. Depois de não muito tempo recebemos a informação de que ocorrerá o ataque, porém ele só aparece no final da narrativa.

O atentado que demora a se concretizar gera uma imensa tensão enquanto acompanhamos os minutos anteriores a ele do ponto de vista de vários alunos da Columbine High School.
O ritmo lento e a divisão do ponto de vista elevam a tensão, assim como estabelecem perfeitamente a imprevisibilidade do ataque.

A caracterização dos assassinos é feita como a de todos os outros alunos. Suas vidas são apresentadas, assim como a família de Alex e seu gosto pelo piano. O beijo entre Eric e Alex logo antes de saírem para o ataque aponta a infantilidade dos assassinos. Ambos não queriam morrer sem ter beijado alguém.

Além deste momento tenro não há nada a não ser frieza no comportamento dos jovens assassinos. Movidos pelo ódio e pelo desconforto no local de estudo, dizimam a escola e matam a maioria dos personagens que narraram a história.

Quando encontra seu último alvo, o casal Nathan e Carrie, Alex se diverte escolhendo quem matará primeiro cantando “mamãe mandou” em meios às súplicas dos dois jovens.

Com um corte duro o assassinato é interrompido e o filme volta para onde começou: olhando para o céu, se afastando da ação, mostrando somente o tempo que passa pelas nuvens.

Felipe Abreu é graduando em Audiovisual pela Universidade de São Paulo (USP)

Fonte: http://www.ufscar.br/rua/site/?p=1302

quinta-feira, 31 de março de 2011

Coen Brothers




Fargo
Ethan e Joel Coen
Roteiro   136 páginas
Tradução de Toni Marques

Crônica de um crime sem paixão

Os irmãos Ethan e Joel Coen são responsáveis por uma das poucas marcas autorais no cinema americano atual, baseada na alta estilização visual e na imaginação alucinante de suas histórias. O roteiro de Fargo, vencedor do Oscar de melhor roteiro original de 97 que integra agora a coleção Artemídia, é o primeiro que a dupla escreve a partir de um evento real: um crime realizado na cidadezinha interiorana de Fargo (no estado americano de Minnesota) no gélido inverno de 1987.

O texto trabalha de forma brilhante os elementos absurdos do crime, fazendo comédia com a sua dimensão bizarra. Jerry Lundegaard é um vendedor de carros endividado que contrata dois marginais para sequestrar sua esposa. A idéia é exigir resgate ao sogro abastado, pagando uma parte para a dupla e ficando com o resto.

O crime dá errado, gerando uma série de mortes que são investigadas pela policial Marge Gunderson - a imagem inversa dos policiais de cinema americano. Grávida de sete meses, suave e de bom senso e caráter, Marge é uma exceção entre os perso-nagens do filme: uma galeria de gente comum, a princípio gentil, mas que parece agir sem jamais pensar em consequências dos seus atos. A interpretação da policial rendeu a Frances McDormand o Oscar de melhor atriz.

Fargo é um retorno dos autores à suas origens interioranas. Ele joga com os maneirismos, cadência e expressões locais - combina a narrativa sobre crime e cobiça a uma crítica ácida sobre um lugar vazio, de pessoas vazias, mas que pode gerar uma tragédia amoral. Segundo o ator William Macy (que interpreta Jerry), o roteiro de Fargo é "um dos melhores dos últimos tempos. Um exemplo perfeito da definição de grotesco, consegue ser atraente e repulsivo ao mesmo tempo".

Perfil

Os irmãos Ethan e Joel Coen formam a dupla mais harmônica do cinema atual. Ethan produz, Joel dirige e ambos assinam os roteiros de seus filmes, aclamados pela crítica e festivais de cinema. Entre os sucessos da dupla está a comédia "Arizona nunca mais", "MIller's Crossing" e "Barton Fink" - vencedor dos prêmios de melhor filme, melhor diretor e melhor ator (John Turturro) do Festival de Cannes em 1991.

Joel Coen frequentou a New York University Film School, tendo trabalhado em diversos filmes de baixo orçamento, inclusive com Sam Raimi no clássico "Evil Dead". Ethan é formado na Universidade de Princeton.

Fargo retoma o estilo do primeiro filme dos irmãos Coen, "Gosto de Sangue", sendo foi indicado para o Oscar nas categorias de melhor filme, roteiro original, atriz, ator coadjuvante, fotografia, direção e edição.






Irmãos Coen retomam ironia em 'Onde Os Fracos Não Têm Vez'

O humor negro e uma fina ironia diante do lado escuro da alma humana frequentam habitualmente a obra dos irmãos cineastas Joel e Ethan Coen (Fargo e E Aí Meu Irmão, Cadê Você?). Mais uma vez, este é o tom em Onde os Fracos não Têm Vez.

O roteiro, também assinado pela dupla, parte do romance Onde Os Velhos Não Têm Vez, do norte-americano Cormac McCarthy, considerado um dos melhores escritores em atividade dos Estados Unidos.

Na fronteira do Texas, região do Rio Grande, um sujeito comum chamado Llewelyn Moss (Josh Brolin, Planeta Terror) encontra uma picape cercada de corpos, com US$ 2 milhões e uma grande quantidade de heroína.

Moss nem desconfia que ao pegar do dinheiro desencadeará uma série de acontecimentos que poderão culminar em sua ruína. Especialmente porque isso coloca em seu caminho Anton Chigurh (Javier Bardem, de O Amor nos Tempos do Cólera), um assassino sem escrúpulos ou limites.

A terceira peça desse jogo é o xerife Ed (Tommy Lee Jones, de No Vale das Sombras), a voz da razão nesse inferno povoado por homens sem escrúpulos. Ele está prestes a se aposentar. Este poderá ser seu último caso antes do adeus à profissão, a mesma, aliás, de seu pai e avô.

Chigurh não mede esforços para ir atrás daquilo que julga ser seu e foi roubado. Isso significa dizer que absolutamente ninguém fica em seu caminho - aparentemente, ninguém sobrevive a um encontro com esse homem, é bom dizer.

Indicado ao Oscar de coadjuvante por esse trabalho, o ator espanhol Javier Bardem parece vestir Chigurh como uma segunda pele. Seu olhar sempre parado, seu corte de cabelo engraçado e suas atitudes imprevisíveis transformam-no numa das figuras mais assustadoras do cinema dos últimos tempos.

Essa interpretação já lhe rendeu diversos prêmios, como o Globo de Ouro e o do Sindicato dos Atores da América, e o coloca como favorito para o da Academia de Ciências e Artes Cinematográficas, que será anunciado dia 24 próximo.

O tom irônico dos filmes dos Coen encontrou na obra de McCarthy uma profundidade muito bem-vinda abordando uma história tipicamente norte-americana de ambição desmedida, onde será inevitável correr muito sangue.

quinta-feira, 24 de março de 2011

O Império dos sentidos



PSICOCINE, DIA 116, FILME 56 - IMPÉRIO DOS SENTIDOS

Filmezinho japonês para animar a noite de domingo!

Mentira, gente, o filme de Nagisa Oshima, "O império dos sentidos" (1976), causa estranhamento e desconforto logo nos primeiros minutos.

A cena é a seguinte: Sada e seu amante vem andando por uma ponte. Sada está com a mão dentro do quimono do parceiro. Segurando o pênis dele. Isso mesmo: em vez de segurar a mão, Sada é dessas que prefere passear segurando um pênis. Porque Sada é assim, precisa ser possuída a qualquer momento.

Duas cenas depois, uma senhora vem servir saquê na alcova do casal e deixa escapar que nenhuma das garotas quer mais servi-los. O motivo? Eles não param de fazer sexo. E, de fato, mal a senhorinha acaba de falar, Sada fica de quatro, o amante levanta-lhe o quimono e pronto. Em meia hora de filme, deve ser a octogésima cena de sexo.

O que me faz pensar que a Sada, minha gente, não existe. Uma mulher assim só mesmo na ficção. E, de preferência, construída por alguma mente masculina. Improvável uma mulher assim, sexual 24 horas por dia. Sada, cá com os meus botões, é a prima japonesa daquela protagonista de "A casa dos budas ditosos", do João Ubaldo Ribeiro.

O filme vai avançando e provocando no espectador uma sensação de mal-estar quase insuportável. O sexo, que já não era lá muito celebrativo desde o começo, vai ficando mais e mais doentio, patológico, mortífero. Sada passa a ameaçar seu homem com uma faca, estrangulá-lo durante o sexo. E ele gosta.

Até que, numa dessas estranguladas, ela acaba matando. Mata e, não satisfeita, pega a faca e toma o pênis dele. Psicanaliticamente falando, era isso o que ela queria desde o começo, não era? O pênis dele. (A tal inveja do pênis, "O império dos sentidos" leva isso ao extremo)

O mais interessante é saber que o filme é baseado em uma história real, acontecida no Japão em 1936.



Leia aqui um pouco mais sobre a censura no cinema brasileiro: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u478558.shtml


quinta-feira, 17 de março de 2011

Cinema da Retomada





O Invasor
(Invasor, O, 2001)

Por Alexandre Koball

Um ótimo policial urbano ambientado nas ruas de São Paulo. O cinema nacional cresce.

Beto Brant mostra que o cinema brasileiro já voltou à fase adulta, e não nos faz depender apenas de eventuais sucessos (Cidade de Deus, por exemplo), pra ser respeitado. Isso mesmo, O Invasor é um filme ousado, inteligente, com uma fotografia inovadora, realista, mas acima de tudo, é um filme bom pra cacete, que faz pensar mas também entretém o espectador.

Temos como figuras centrais Ivan (Marco Ricca) e Gilberto (Alexandre Borges), dois amigos e sócios de uma construtora, juntamente com Estevão (George Freire). Acontece que este último, o sócio majoritário, está criando problemas para os outros dois, ameaçando desfazer a sociedade. A solução encontrada é contratar um assassino de aluguel (o titã Miklos) para acabar com Estevão. O que eles não esperavam é que, após o serviço feito, Miklos, com seu jeito de bandido malandro, do tipo “não tou nem aí pra esses caras”, resolve se intrometer na empresa. Acuados, Ivan e Gilberto não podem fazer nada a não ser ver esse completo e perigoso desconhecido fazer parte do dia-a-dia da construtora.

O melhor de O Invasor é ser um suspense policial tenso desde o início, ajudado pela ótima atuação de Paulo Miklos e sua cara-de-pau para se intrometer nos negócios dos outros personagens. O ator-cantor se dá muito bem em sua estréia na profissão, embora cometa erros primários em um ou dois momentos (o principal é olhar para a câmera quando não devia). Ele tem inclusive um monólogo rápido em frente ao espelho imitando De Niro em Taxi Driver.

As coadjuvantes Mariana Ximenes (que já fez papel de patricinha em algumas novelas da Globo), e sobretudo Malu Mader (como é bom vê-la de novo na tela), estão ótimas no filme, esbanjando sensualidade e bastante talento também. Ximenes talvez tenha o papel mais ousado de sua carreira, até o momento, com seu relacionamento utópico entre ela e Anísio (o personagem de Miklos). Filha do empresário morto por ele, a atriz vive a típica adolescente rebelde de classe média-alta. A sua atuação é muito convincente, e o filme dá de presente a seus fãs momentos bem “calientes”.

Contudo, nem o clima tenso, muito menos as boas atuações de todo o elenco seriam capazes de segurar tão bem o filme se não fosse a ótima direção de Beto Brant. Câmeras trêmulas, atores encarando o espectador, cores fortes, com muito contraste, longos takes sem cortes dão o tom do filme, o que faz 'O Invasor' ser fácil de ser apreciado visualmente, a não ser que você seja um espectador deveras antiquado. Brant também nos brinda com cenas ousadas das atrizes Ximenes e Malu Mader, porém evitando ao máximo (e sendo bem sucedido) entrar no vulgar, fugindo do estereótipo de que todo filme brasileiro deve ter sexo para vender. Há sim, sexo, mas você pode assistir com qualquer pessoa sem se constranger muito (bem, pelo menos a maioria das pessoas).

Outro tema presente no filme é a alienação que existe entre muitos empresários bem-sucedidos, que tendo conquistado muita coisa na vida (carreira, família, dinheiro), ainda não se vêem satisfeitos. Isso fica muito explícito pelos personagens Ivan e Gilberto, cuja principal prioridade é a de “se dar bem”, doa a quem doer. O filme analisa as conseqüências desse comportamento, traçando destinos interessantes para esses personagens.

Talvez o único ponto fraco de O Invasor seja o fato de que em certos pontos a trama envolvendo algumas reviravoltas (como um final que tenta surpreender o espectador) é bastante confusa, obrigando a quem assiste a ficar muito atento para entendê-las. Caso você não consiga entender tais reviravoltas de primeira, tudo bem, o filme não é apoiado aí, e a história, num sentido generalizado, é de fácil entendimento. O final do filme é bem marcante e forte, fazendo o espectador pensar no que viu assim que o filme acaba – característica somente pertencente a filmes de ótima qualidade. Ah, faltou citar a trilha sonora, que é pesada ao extrema, e dá ainda mais força ao roteiro do filme.

Com seqüências marcantes, principalmente as envolvendo Miklos, 'O Invasor' é a prova que o cinema brasileiro está em processo de evolução e, embora o filme de Beto Brant não seja uma obra-prima, é bastante poderoso e muito bem dirigido e interpretado. Para o mercado nacional, nos últimos anos, existem apenas alguns poucos títulos superiores.


Amarelo Manga
(Amarelo Manga, 2002)

Por Tony Pugliese          

Mais um bom filme nacional, em um emaranhado de histórias interessantes e bizarras - mas não menos reais.

Cláudio Assis, diretor de Amarelo Manga, já tinha muita experiência com curtas metragens. Não é a toa que, em 1999, filmou O Brasil em Curtas - Curtas Pernambucanos. E é justamente essa a sensação que temos ao assistir Amarelo Manga. A sensação de que o filme, apesar de ser um longa metragem, é, na verdade, um apanhando de curtas que se entrelaçam para contar uma história maior. A narrativa da película, bem como seu desenvolvimento, apesar de trazerem elementos bem simplórios, agrada.

É um filme de baixo orçamento, como já poderíamos presumir. Mas ainda assim, "cheio de vida". O filme tem uma fotografia muito bonita, colorida, que cai em contraste perfeito com os lugares apresentados: um boteco velho, um hotel caindo aos pedaços que hospeda todo tipo de gente, um matadouro. Enfim... Ah, só a título de curiosidade, o hotel do filme, chamado de "Texas", é uma homenagem do diretor a si próprio (veja só...), visto que Cláudio havia filmado e produzido, também em 1999, o filme 'Texas Hotel'.

Como já fora dito, o filme é uma sucessão de curtas histórias envolvendo um bar e um hotel na cidade de Recife, que nos revela um mosaico de personagens vivendo em um bairro pobre da cidade. Um açougueiro e sua mulher evangélica, um necrófilo apaixonado pela dona de um bar, um homossexual apaixonado pelo açougueiro e outros, muitos outros personagens.

É interessante notar um detalhe logo na parte inicial do filme. Claro, impossível deixar que esse detalhe passe despercebido. Se você é daqueles que come algo no cinema enquanto assiste a um bom filme, certamente notou. O filme revela e mostra com brilhantismo a situação higiênica em que a população que mora nesses subúrbios do Recife (e em todo Brasil) está confinada. Sim, há um mínimo de higiene, entretanto, a discrepância assusta. Pegue, por exemplo, o açougueiro. Para quem ainda não assistiu a película, apenas digo que o processo que a carne leva das mãos do açougueiro até os pratos de comida dos moradores é um dos menos higiênicos possíveis. Não há como não sentir um embrulho no estômago enquanto assistimos a essa seqüência. E para completá-la, e "enojar" o público de vez, a personagem de Dira Paes, Kika, a evangélica, vomita ao preparar a carne na varanda de sua casa e, segundos depois, lá está seu gato de estimação lambendo tudo aquilo. Não dá para ficar indiferente. Méritos do filme.

As atuações chamam bastante atenção, principalmente as femininas. Leona Cavalli (de Carandiru), faz o papel de Lígia, a dona do bar. Uma mulher de atitude, forte, enérgica e "arretada", que não leva desaforo para casa. Leona está demais! A cena em que ela contracena com Jonas Bloch (bom ator, de Histórias do Olhar) no bar quando o mesmo a provoca pela cor de seus cabelos é, no mínimo, engraçada!

Puxando o lado masculino das atuações temos ele, claro, sempre ele, Matheus Nachtergaele (de dois soberbos filmes nacionais: Cidade de Deus e O Auto da Compadecida). Nachtergaele interpreta Dunga, o homossexual que ajuda a manter o hotel Texas e é apaixonado pelo açougueiro. Infelizmente, não vemos Matheus em outra grande participação em um filme, até porque seu papel é pequeno e bem reduzido pela história, que, convenhamos, é muito simples. Mas ainda assim, ele está alegre e jogando o astral do filme lá para cima, como de costume. Outra pessoa que merece atenção é Dira Paes, a Kika. A garota faz um personagem bem simples a primeira vista, mas depois de uma reviravolta já esperada pouco após a metade do filme, seu personagem se transforma completamente, nos fazendo esquecer da jovem e santa evangélica. Ótimo trabalho.

A trilha sonora, infelizmente, é fraca. Durante algumas passagens do filme, vemos até alguns esboços por parte da equipe de Cláudio Assis de realmente inserir algo que chamasse a atenção do público, entretanto, como disse, esse esforço não passa de um esboço. Não há uma trilha sonora consistente em Amarelo Manga durante todo seu tempo de projeção.

O filme ainda conta com um ponto fraco, sua história. Não me levem a mal, ela é muito bem contada e apresentada, porém, é muitíssimo simples. O filme sofre do mesmo mal de um outro que critiquei há pouco tempo atrás, Irreversível, de Gaspar Noe. Excelente desenvolvimento de uma fraca história, infelizmente.

Amarelo Manga ainda recebeu, no Brasil, uma pesada censura 18 anos. Em minha humilde opinião, uma censura pesada demais para um filme que quase não apresenta violência. Sim, há uma cena em que o necrófilo dá uns tiros num cadáver morto arranjado por um amigo do IML em troca de maconha, uma ou outra cena de sexo e, claro, o que deve ter pesado, a atriz Leona Cavalli mostrando sua vagina sem pudor algum a Jonas Bloch. Pode parecer pesado isso tudo no meio de tantas palavras, mas acredite, não é. Quatorze ou dezesseis anos já seria uma censura de bom tamanho.

Enfim, acredito que muitas pessoas poderão gostar de Amarelo Manga. O filme foi realmente pouco divulgado quando lançado nos cinemas nacionais, mas certamente vale a pena dar uma conferida nas locadoras. O ritmo do filme não irá agradar a todos, mas tenho certeza que a maioria terá tido uma boa tarde de entretenimento após assistir à 'Amarelo Manga'. Mais um bom filme nacional.

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