O Bandido da Luz Vermelha
Por Lucas Murari
08/02/2007
Um marco do cinema brasileiro, satirizou a tudo e a todos, redefinindo os moldes conservadores e criando novos O Bandido da Luz Vermelha, primeiro longa-metragem do jovem cineasta Rogério Sganzerla que com 22 anos inaugura no Brasil uma nova escola cinematográfica, o Cinema Marginal. Antes de se tornar diretor, Rogério já era respeitado como crítico de cinema do Jornal da Tarde e do Estadão. Com este filme ele define e inova os moldes estéticos de um tipo de cinema que não se preocupa com a claridade dos fatos, filmes que buscam explodir com linguagem e mostrar uma relação totalmente pessoal da imagem com o Cinema, a Política, a Arte e a Vida.
“Movimento” instaurado posteriormente ao Cinema Novo, ambos tinham alicerces ligados ao Neo-Realismo Italiano, porém o Cinema Novo era ligado à cultura Brasileira (cangaceiros, negros, pobreza) enquanto que o Cinema Marginal tinha uma proposta mais experimental, era ligado a várias artes, ligado ao anarquismo (os meios de comunicação de massas, as drogas, o psicodelismo, o nonsense em geral).
Fanático por Orson Welles e Godard, Sganzerla começa seu filme com uma homenagem ao diretor francês. Ao invés de créditos iniciais convencionais, o filme inicia com um painel luminoso na qual se movimentam por ele as informações. Começa com “um filme de cinema de” e logo após o nome de toda equipe que idealizou o filme. Paulo Vilaça (Jorge) faz o papel principal, o roteiro do filme foi baseado na vida de João Acácio Pereira da Costa, bandido catarinense que atormentou a polícia paulista na década de 60.
Helena Ignez (Janete Jane) que futuramente casaria com o diretor e seria a musa do Cinema Marginal cria um estilo de atuar debochada, extravagante. Ela faz o papel de uma prostituta que se torna a relação mais pessoal entre o assassino e as pessoas. Um momento que o assassino deixa de matar e começa a amar. O filme feito em um estilo documentário utiliza sempre de recursos da comunicação em massa (rádio, TV) sempre com um tom debochado, uma narração policial sensacionalista.
O matador nos lembra o poeta de Terra em Transe que com técnicas extravagantes consegue invadir mansões na capital paulista sempre com uma lanterna vermelha e sempre a manter um diálogo com suas vítimas. Um anti-herói que na história real só era odiado pelos policiais, o povo de um certo modo o amava, os lembrava um Robin Hood moderno que ao invés de distribuir o dinheiro roubado aos pobres, distribuía seu sêmen à burguesia.
O desfecho se dá com mais uma homenagem a Godard, dessa vez a Pierrot le fou, o bandido finge ter sido baleado pela polícia e cambaleia a gargalhadas, ironizando o medíocre serviço da polícia que não consegue e nunca conseguirá pegá-lo. Dessa vez ele não se suicida com uma dinamite como no filme de Godard, mas morre eletrocutado num lixão. Posteriormente seu corpo é achado pela polícia que duvidando ser o famoso assaltante, convoca o delegado ao local que comete o mesmo erro que o bandido e acaba morto eletrocutado e morre ao seu lado gritando ao final comicamente: “Mamãe!”
Com certeza esse filme é um marco no Cinema Brasileiro, aclamado pela crítica, Sganzerla estréia seu longa dignamente como Acossado de Godard e Accatone de Pasolini. O Bandido da Luz Vermelha satiriza tudo e a todos redefine os moldes conservadores e cria os futuristas. Genialmente editado, torna-se o expoente máximo do Cinema Marginal.
Matou a Família e Foi ao Cinema
Estréia de Júlio Bressane propôs, em 1969, uma estética que radicalizava ainda mais a ruptura pregada pelo Cinema Novo.
Por: Rodrigo Carreiro
Júlio Bressane tinha 23 anos quando surgiu como um meteoro no cinema nacional, lançando dois longas-metragens praticamente consecutivos e propondo uma estética que radicalizava ainda mais a ruptura pregada pelo Cinema Novo. “Matou a Família e Foi ao Cinema” (Brasil, 1969), concebido e filmado em apenas 12 dias, foi o primeiro dos dois. Lançado de forma atabalhoada, o filme ficou em cartaz durante uma semana, em onze salas do país, e acabou retirado de circulação pela censura oficial graças às cenas de violência, consideradas fortes demais para a época. Acabou eternizando-se como um dos primogênitos do chamado “cinema marginal”, espécie de movimento não-oficial de índole niilista, que queria partir do zero para impor um projeto estético de cinema completamente novo.
Bressane e Rogério Sganzerla, amigo e sócio numa produtora de baixo orçamento, praticavam o lendário “cinema imperfeito” – o Santo Graal da esquerda cinematográfica latino-americana durante a década de 1960 – com um grau de sujeira inédito até então. Eles filmavam com câmeras de 16mm e quebravam todas as convenções narrativas possíveis e imagináveis. O som direto, captado nos sets de filmagem, tinha ficado horrível e não dava para entender o que os atores diziam? Eles deixavam assim mesmo. O operador de câmera perdeu o foco? Besteira. Não havia um roteiro completo para filmar? Improvisavam de qualquer maneira. O importante era a iconoclastia absoluta. Derrubar todas as regras e convenções narrativas, uma por uma.
Sganzerla, que no mesmo ano dirigiu um primo bastado bem mais famoso (“O Bandido da Luz Vermelha”), era mais irônico. Bressane apostava num estilo mais agressivo e metalingüístico, freqüentemente questionando o próprio filme. É o que acontece em “Matou a Família e Foi ao Cinema”, que consiste em uma série de episódios desconectados em tempo e lugar. O único elo que liga todos os esquetes é o assassinato, como o que ocorre logo na abertura, quando um rapaz (Antero de Oliveira) cansa das discussões ríspidas e diárias dos pais, num apertado apartamento de classe média em São Paulo. Ele mata os dois a navalhadas e vai ao cinema assistir ao filme “Perdidas de Amor”, sobre duas garotas (Márcia Rodrigues e Renata Sorrah) que se apaixonam enquanto curtem dias de férias numa granja isolada.
Logo, a narrativa se concentra no filme dentro do filme (e chega a criar um filme dentro do filme dentro do filme, quando as duas meninas comentam terem assistido a “Perdidas de Amor” e notado a semelhança entre as personagens ficcionais e elas próprias). É material para deixar espectadores desavisados sem entender nada. De qualquer forma, o trabalho de Bressane chama a atenção pela inteligência e pela coerência interna. Ele usa com criatividade, por exemplo, os enquadramentos, muitas vezes fazendo os personagens dialogarem com pessoas que estão fora do campo de visão. Essa atitude estimula o espectador a construir o espaço cênico dentro da própria imaginação, transformando-o de certa forma em co-construtor da narrativa. Às vezes, o próprio acontecimento que está sendo filmado acontece longe da tela, fazendo o espectador ter que usar o som (de péssima qualidade técnica) e a memória para acompanhar o desenvolvimento da ação dramática.
A valorização do espaço off-screen, inédito para a época, demorou vários anos para ser incorporado pelo cinema independente – o diretor austríaco Michael Haneke utiliza o expediente com precisão em “Violência Gratuita” (1997), outro trabalho metalingüístico ousado que, como o longa-metragem de Bressane, critica as representações midiáticas da violência enquanto chama a atenção para uma estética diferente e inovadora. Apesar do evidente caráter amador, “Matou a Família e Foi ao Cinema” cumpre bem o papel de fazer o público refletir sobre os próprios caminhos do cinema narrativo. Além disso, o final – com a lendária cena do disco de Roberto Carlos arranhado de um ponto crucial – é de uma beleza excruciante.
O filme de Bressane nunca foi lançado em DVD ou em qualquer formato para o mercado doméstico. A cópia mais conhecida circula na internet e foi gravada da TV italiana, tendo legendas fixas naquela língua. A qualidade de imagem é sofrível (1.33:1, preto-e-branco) e o áudio (Dolby Digital 1.0) também não tem qualidade profissional.
Trailer:
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