domingo, 27 de junho de 2010

Bastardos Inglórios



Bastardos Inglórios
A Segunda Guerra na visão fusionista-nerd de Quentin Tarantino
 por Érico Borgo

Nos videogames existem os chamados mod developers, sujeitos que pegam games existentes no mercado e interferem em seu funcionamento, dando aos jogos novas características, fundindo temas e franquias, mas quase sempre trabalhando dentro de uma estrutura funcional pré-estabelecida. De um clássico, portanto, pode surgir algo novo e que acaba tão - ou em alguns casos, mais - apreciado quanto o título original.

Quando penso no cinema de Quentin Tarantino em Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds) não consigo deixar de compará-lo a um mod developer - e um dos bons. Como é habitual na cinematografia do cineasta, ele mistura linguagens, épocas e escolas - que praticamente desaparecem no resultado, tornando-se algo só dele. Dos faroestes de Sergio Leone (que já haviam inspirado Kill Bill Volume 2) vêm a inspiração para a música (Ennio Morricone está na trilha!) e a tensão nos duelos (verbais ou físicos). De John Ford ele empresta a temática da vingança, todo o "Capítulo 1" e um enquadramento arrancado de Rastros de Ódio (The Searchers, 1956). A criação do personagem Aldo Rayne (Brad Pitt) vem de atores como Aldo Ray (1926-1991) e John Wayne (1907-1979). De um obscuro filme de guerra italiano de 1978 o título do filme. Da nouvelle vague o teor do "Capítulo 3", com a Shosanna de Mélanie Laurent lembrando as personagens dos filmes de Truffaut... a lista é extensa... e tenho certeza que triplicará quando eu assistir ao filme novamente.

Tarantino, supernerd cinéfilo, apanha todas essas coisas que lhe são queridas, com as quais cresceu, e as transforma. Ele já fez isso antes muitas vezes, mas neste busca uma certa organização sutil separando os gêneros que emula através de uma organização em capítulos. São quase todos excelentes. O problema é justamente quando, superconfiante, ele deixa escapar uns arroubos pops. Normalmente eles funcionam nas mãos dele, mas aqui - é um filme de época, afinal - causam estranheza em um ou outro momento. "Cat People (Putting Out Fire)" de David Bowie na Segunda Guerra? Exagero (ainda que a cena daria um videoclipe e tanto se isolada).

A história começa na França ocupada pelos nazistas, onde Shosanna Dreyfus (Laurent) testemunha a execução de sua família pelas mãos do coronel nazista Hans Landa (Christoph Waltz merecia uma crítica à parte). Após uma introdução brilhante com uma intensa conversa entre os personagens de Denis Menochet e Waltz, a jovem consegue escapar e foge para Paris, onde cria uma nova identidade como dona de cinema. Enquanto isso, também na Europa, o tenente Aldo Raine (Pitt) inferniza ao lado de seu grupo de soldados judeus os nazistas. Conhecido por seus inimigos como Os Bastardos, o esquadrão de Raine se junta à atriz alemã e agente infiltrada Bridget Von Hammersmark (Diane Kruger) em uma missão para derrubar os líderes do Terceiro Reich. E os destinos convergem para o cinema onde Shosanna está planejando a sua própria vingança.

Inteligente, ainda que mantida rigorosamente simples, a trama investe nos atores - e a direção de elenco é a melhor da carreira já celebrada por essa característica de Tarantino. E se comentei acima que Christoph Waltz merecia sua própria crítica, dedico-lhe ao menos um parágrafo. O ator austríaco não dá chance a quem quer que divida a cena com ele. Seu vilão é tão sensacional que Bastardos Inglórios torna-se, sem querer, quase como um filme do Batman, em que são os antagonistas que valem o ingresso. Brad Pitt? Bom e caricato, como o filme exige. Mas Waltz está simplesmente em outra esfera de talento.

Caricaturas, aliás, são o pão-com-manteiga do filme. É divertida a maneira como Tarantino conscientemente reduz personagens aos seus estereótipos conhecidos (o americano caipira e bruto, a francesa blasé, o inglês supereducado, os nazistas engomadinhos...) para economizar tempo em explicações e construção de personagens. O único com quem ele realmente se preocupa é, de novo, Hans Landa, e isso causou certa polêmica entre a crítica. Adorar o nazista, mesmo com o tresloucado e historicamente alucinado clímax que o filme oferece, não é algo de fácil digestão mesmo.

Também passível de discussão é a eterna "violência tarantinesca". Uns amam, outros odeiam. Considerando os filmes anteriores do diretor, achei desta vez ela até contida, deixada para poucos momentos de impacto. Mas isso por que não me importo em ver escalpos e tacos de baseball esfacelando cabeças. O cinema de Tarantino tem mesmo essa propriedade um tanto anestésica em alguns em relação à sangreira. Ele consegue transformar o "gore" em "cool" dentro de determinados públicos. Mas fica o aviso - há quem tenha criticado duramente a produção por conta disso, gente que considera Tarantino um eterno adolescente fascinado com seus brinquedos. Não é o caso desta crítica, mas consigo entender as razões dessas pessoas. Tarantino é mesmo inconsequente - mas enquanto tiver seu público cativo, formado por gente como ele, seguirá em seu mundinho. Eu, pelo menos, agradeço. 

Fonte: http://omelete.com.br/cinema/critica-bastardos-inglorios/

Trailer:

domingo, 20 de junho de 2010

Die Fetten Jahre Sind Vorbei



Adeus, Lênin!

por Érico Borgo

Depois da queda do muro, em novembro de 1989, os alemães orientais, que viviam sob o regime comunista, abraçaram o capitalismo do ocidente, seus produtos e consumismo. Entretanto, uma década depois, um sentimento nostálgico pelo antigo governo espalhou-se pela nação, alavancado pelo alto desemprego e insatisfação pela situação econômica que passavam. Chamado de "Ostalgie", o movimento fez com que fábricas de produtos comunistas (como cosméticos, produtos de banho, produtos de limpeza e alimentos) voltassem à ativa, programas de TV com entrevistas com políticos e atletas pré-queda fossem lançados, jovens começassem a vestir roupas com temáticas pró-GDR (a Alemanha Oriental), etc. Outro importante fruto desse movimento foi a comédia Adeus, Lênin! (Goodbye Lenin!), tremendo sucesso de bilheteria por lá.

O filme, escrito e dirigido por Wolfgang Becker (os outros quatro trabalhos do cineasta permanecem inéditos por aqui), começa algumas semanas antes da queda do muro. Christiane (Katrin Sass) é uma apaixonada colaboradora do regime comunista. Aos quarenta e tantos anos, presencia uma manifestação nas ruas na qual seu filho Alex (Daniel Bruhl) é espancado por policiais e preso. Chocada, ela sofre um colapso e entra em coma no meio da confusão.

Quando Christiane desperta, vários meses depois, o médico revela à família que seu coração está extremamente fraco e que qualquer choque será fatal. Então, como explicar à mãe que o muro de Berlim caiu enquanto ela convalescia e que as duas Alemanhas foram unificadas sob um governo capitalista? A solução encontrada por Alex é aparentemente simples: Manter, pelo menos dentro do apartamento da família, a Alemanha oriental viva.

O filho começa então uma frenética luta para manter todas as influências externas longe do santuário socialista que montou em casa. Irmã, genro e namorada precisam vestir-se como antes, a comida precisa ser estatal e estações de rádio e TV precisam exibir os mesmos programas que transmitiam antes da transição. Mas o que fazer quando a Coca-Cola coloca um imenso painel no prédio em frente à janela do quarto?

Além da excelente premissa, o filme conta com um ótimo elenco. Os dois protagonistas fazem um trabalho irretocável, ao lado de coadjuvantes divertidos, como Maria Simon (a irmã de Alex), que começa a trabalhar entusiasmadíssima num Burger King e vestir-se de maneira New Wave. Merece destaque também Florian Lukas, o amigo de Alex que filma casamentos achando que é o novo Stanley Kubrick.

Enfim, sensível e recheado de ótimas piadas, Good Bye, Lenin! é algo raro, uma comédia alemã que prova que a tal "frieza" dos germânicos pode estar degelando enquanto o país sofre importantes mudanças.

Fonte: http://omelete.com.br/cinema/iadeus-lenini/

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Edukators

por Sula Carvalho

Do diretor alemão Hans Weingartner (mesmo de O Som das Nuvens) Edukators é um filme político que debate e critica a mentalidade capitalista e suas conseqüências no mundo contemporâneo. Jan (Daniel Bruhl, de Adeus, Lênin) e seu amigos Peter (Stipe Erceg) se autodenominam “Os Edukadores”, e tomam para si a função de lutar contra a opressão da atual ordem social, política e, principalmente, econômica. Á noite, disfarçados e encapuzados, eles invadem mansões e fazem a maior bagunça com os móveis e objetos da casa. No entanto, eles nunca levam nada. Deixam apenas bilhetes ameaçadores com frases como “Seus dias de fartura estão contados”. Quando a namorada de Peter, Jule (Julia Jentsch) fica sabendo das invasões, sugere que eles entrem na casa da um ricaço para quem ela deve muito dinheiro. As coisas não dão muito certo e são surpreendidos pelo proprietário da casa. A partir daí, a vida dos três (assim como o filme) toma um rumo totalmente diferente.

Em segundo plano à luta política e ideológica, há o triângulo amoroso entre os protagonistas que, na verdade, só serve para descansar o telespectador dos diálogos cada vez mais fortes e dar um toque mais pop ao filme. Apesar dos diálogos intensos (e às vezes cansativos) da segunda metade do filme, quando toma lugar discussões sobre a luta sócio-política contra a burguesia, Edukators convence devido à ingenuidade e pureza dos jovens protagonistas e à esperança que alimentam de que realmente podem mudar o mundo (que jovem nunca quis fazê-lo?).

O filme, que foi muito discutido no circuito alternativo nacional e internacional, recebeu uma indicação ao European Film Awards em 2004 de melhor ator para Daniel Bruhl e fez sucesso no Festival de Cannes 2004. Com um roteiro nada previsível, atuações incomparáveis (principalmente por parte de Daniel Bruhl e Julia Jentsch), trilha sonora rica (destaque para a versão de Jeff Buckley para “Hallelujah”, simplesmente lindo) e com um final espetacular e infalível, Hans Weingartner mostra a força do cinema alemão contemporâneo.

De Edukators, cada um tira sua mensagem, que será provavelmente aquela que lhe for mais cômoda. Para isso, o filme deixa margem a duas interpretações. A primeira, é a de que o tempo passa, os ideais morrem, e as boas idéias e convicções se vão junto com a juventude. A segunda nos lembra, no entanto, que os únicos que podem mudar o mundo são aqueles que realmente acreditam que isto seja possível e tentam fazer alguma coisa a respeito. Qual será a sua forma de interpretar?

Fonte: http://www.delfos.jor.br/conteudos/index_interna.php?id=385&id_secao=1&id_subsecao=2

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sábado, 12 de junho de 2010

Cinema, Debate e Café

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O humano demasiado humano
em La Dolce Vita
de Federico Fellini

por Breno Rodrigues de Paula

Federico Fellini (1920 - 1993) é o cineasta mais expressivo do cinema italiano. Sua filmografia é uma das mais ricas da Sétima Arte. O nome do cineasta italiano é freqüentemente colocado nas listas de “melhores cineastas de todos os tempos”. Um dos seus filmes, que sempre é citado em listas de “os melhores filmes da história do cinema”, é “A Doce Vida” (La dolce vita, Itália, 1960). O filme é uma unanimidade entre o público, os críticos e os estudiosos, que consideram-no a obra-prima de Felllini. Além de aplausos, boas críticas e uma grande quantidade de estudos, “A doce vida” foi laureado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1960. O filme é estruturado a partir de episódios encadeados como se fosse um mosaico. Pode-se dividi-lo em cinco partes, segundo cinco temas: o cinematográfico, o religioso, o intelectual, o familiar e o amoroso. O personagem central é o jornalista (colunista social) Marcello Rubini (Marcello Mastroianni), que tem acesso livre a todas as camadas e meios sociais da capital italiana.

Na primeira parte do filme, acompanhamos Marcello no ambiente da indústria cinematográfica italiana. O ponto de partida é a chegada da famosa atriz sueca Sylvia (Anita Ekberg), para atuar em filme que será rodado em Roma. A atriz é uma pessoa fútil, e ao mesmo tempo carismática, que se encontra no centro do “espetáculo”, como podemos notar na cena da “coletiva de imprensa”. As perguntas destinadas a ela vão desde “se a atriz está solteira”; ou “com qual tipo de roupa ela costuma dormir”; como também “o que ela achou da pizza romana”. Marcello caba se relacionado com Sylvia, ambos protagonizam a cena mais famosa do filme, e uma das mais famosas do cinema: A Fontana di Trevi. Nesta parte do filme, Fellini faz uma crítica a alguns aspectos da indústria cinematográfica, principalmente uma crítica às relações entre os profissionais dela.

Do ambiente da indústria cinematográfica, Marcello parte para o interior do país. Ele deve cobrir um caso de grande repercussão na Itália: duas crianças (um menino e uma menina) dizem ter visto a Santa Madonna (Virgem Maria). A história da aparição da santa se alastra, provocando um frenesi na população. Assim como a chegada de Sylvia, a suposta aparição da santa se torna um “espetáculo midiático”, o que nos leva a crer que tudo não passou de uma mentira e uma brincadeira inventada pelas crianças. Tem-se o ápice da brincadeira quando as crianças dizem ver a Madonna em meio à multidão de crentes. Chove, cria-se um tumulto-, o caos, mas o caos felliniano, no qual o sagrado e o profano se amalgamam através da ironia.

De volta a Roma, Marcello encontra com o seu velho amigo e professor Steiner (Alain Cuny). Discutem sobre o projeto do jornalista de escrever um romance. No sarau literário na casa de Steiner, conhecemos seus amigos poetas, escritores, intelectuais e a sua família: esposa e dois pequenos filhos (uma menina e um menino). Também este ambiente intelectualizado se mostra superficial. Marcello acha-o agradável, sente-se dividido pelos ambientes-, mas acredita que o conteúdo e a relações são as mesmas. Tanto que Steiner mata os seus dois filhos e se suicida, não são mostrados os seus motivos. Não há a necessidade, pois não há nada-, nenhum gosto no cotidiano da vida, seja doce ou amargo. Só que, normalmente, tal fato é midializado e, conseqüentemente, banalizado pela “sociedade do espetáculo”.

Na esfera familiar, Marcello reencontra o seu pai, que está em Roma a negócios. Após jantarem na Via Venetto (a região mais rica da cidade), o pai diz querer rever um cabaré que freqüentava na juventude. No cabaré, Marcello é reconhecido pelas vedetes. Uma delas, convida o pai para conhecer o seu apartamento. Marcello chega em seguida, a moça lhe diz que seu pai passara mal, uma súbita dor no peito. Não sabemos se o pai manteve relações sexuais ou não com a vedete. Há uma incomunicabilidade entre pai e filho, ambos agem friamente-, indiferentes em relação de um para com o outro. Aqui Fellini nos mostra o vazio das relações familiares, neste caso, o vazio da relação entre pai e filho.

Na esfera amorosa, Marcello tem uma namorada chamada Ema (Yvonne Furnaux) que é super protetora, neurótica e insegura. No entanto, o jornalista acaba se relacionando com diversas outras mulheres, dentre elas a aristocrática Madalenna (Anouk Aimée) e a atriz Sylvia. Na esfera dos relacionamentos amorosos impera a indiferença, o tédio-, o vazio. Uma cena curiosa ocorre quando Madalenna e Marcello levam uma prostituta até a sua pobre casa na periferia. Lá, Madalenna sente vontade de transar no “quarto sujo” com Marcello. A ação se mostra como um fetiche da jovem rica. Marcello se relaciona com lindas mulheres: Sylvia, Madalenna, Ema, Claúdia, mas é uma relação sem sentido, superficial-, como todas as outras: vazia.

O interessante é que os cinco grandes temas do filme: o cinematográfico, o religioso, o intelectual, o familiar e o amoroso são ironizados por Fellini. Ele nos mostra um mosaico fortemente marcado pelo sagrado e pelo profano, se bem que, em se tratando de Fellini, estes dois elementos se amalgamam, até mesmo se confundem-, pois o diretor utiliza-se do recurso da carnavalização através da típica ironia felliniana. A carnavalização dos eventos é sustentada pela idéia da “sociedade do espetáculo”, onde o humano é demasiado humano, de modo que ele deve ser midializado. Neste processo, suas ações mais triviais e insignificantes são ressaltadas. Não há consistência das ações e as relações humanas, em qualquer esfera e meio, são superficiais-, como nos mostra Fellini ao longo do filme.

A qualidade de um Artista e, acima de tudo, de sua obra se sustentam também a partir do impacto que ambos produzem no público e com o seu diálogo com a sociedade. Alguns dos seus elementos se desprendem da obra e passam a integrar a sociedade, sejam através de conceitos, idéias ou, até mesmo, expressões. Alguns artistas possuem os nomes transformados em adjetivos, temos o kafkaniano, o byroniano, o felliniano; assim também como algumas obras: há o quixotesco, o karamazoviano. No caso de “A doce vida”, o adjetivo “paparazzi” foi retirado do seu conteúdo devido ao personagem Paolo Paparazzo (Walter Santesso). O adjetivo tornou-se sinônimo de foto - jornalista que “persegue” celebridades.

Em “A doce vida”, Fellini faz uma análise da sociedade contemporânea, do cotidiano de Roma no final da década de cinqüenta do século passado. Marcello representa o homem que se configura a partir do século XX, moldado pela sociedade do espetáculo, na qual tudo são aparências e as ações sem sentido. Nada faz sentido para Marcello, mas o espetáculo da vida é, aparentemente, doce. Mas a doçura é melancolia, de modo que o doce não é tão doce, mas também não é amargo-, não há gosto nenhum. As relações humanas são vazias, sem sentido-, o espetáculo tudo banaliza. Não importa se a ação ocorra na pobre periferia, ou nos castelos, ou ainda na Via Venetto-, o homem é demasiado humano: medíocre como protagonista do seu próprio espetáculo.

 Fonte: http://travessaliteraria.blogspot.com/

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Cine campus: Curso e Oficina: Poesia Marginal: Lixeratura?



O Bandido da Luz Vermelha
(Bandido da Luz Vermelha, O, 1968)

Por Lucas Murari
08/02/2007

Um marco do cinema brasileiro, satirizou a tudo e a todos, redefinindo os moldes conservadores e criando novos O Bandido da Luz Vermelha, primeiro longa-metragem do jovem cineasta Rogério Sganzerla que com 22 anos inaugura no Brasil uma nova escola cinematográfica, o Cinema Marginal. Antes de se tornar diretor, Rogério já era respeitado como crítico de cinema do Jornal da Tarde e do Estadão. Com este filme ele define e inova os moldes estéticos de um tipo de cinema que não se preocupa com a claridade dos fatos, filmes que buscam explodir com linguagem e mostrar uma relação totalmente pessoal da imagem com o Cinema, a Política, a Arte e a Vida.

“Movimento” instaurado posteriormente ao Cinema Novo, ambos tinham alicerces ligados ao Neo-Realismo Italiano, porém o Cinema Novo era ligado à cultura Brasileira (cangaceiros, negros, pobreza) enquanto que o Cinema Marginal tinha uma proposta mais experimental, era ligado a várias artes, ligado ao anarquismo (os meios de comunicação de massas, as drogas, o psicodelismo, o nonsense em geral).

Fanático por Orson Welles e Godard, Sganzerla começa seu filme com uma homenagem ao diretor francês. Ao invés de créditos iniciais convencionais, o filme inicia com um painel luminoso na qual se movimentam por ele as informações. Começa com “um filme de cinema de” e logo após o nome de toda equipe que idealizou o filme. Paulo Vilaça (Jorge) faz o papel principal, o roteiro do filme foi baseado na vida de João Acácio Pereira da Costa, bandido catarinense que atormentou a polícia paulista na década de 60.

Helena Ignez (Janete Jane) que futuramente casaria com o diretor e seria a musa do Cinema Marginal cria um estilo de atuar debochada, extravagante. Ela faz o papel de uma prostituta que se torna a relação mais pessoal entre o assassino e as pessoas. Um momento que o assassino deixa de matar e começa a amar. O filme feito em um estilo documentário utiliza sempre de recursos da comunicação em massa (rádio, TV) sempre com um tom debochado, uma narração policial sensacionalista. 

O matador nos lembra o poeta de Terra em Transe que com técnicas extravagantes consegue invadir mansões na capital paulista sempre com uma lanterna vermelha e sempre a manter um diálogo com suas vítimas. Um anti-herói que na história real só era odiado pelos policiais, o povo de um certo modo o amava, os lembrava um Robin Hood moderno que ao invés de distribuir o dinheiro roubado aos pobres, distribuía seu sêmen à burguesia.

O desfecho se dá com mais uma homenagem a Godard, dessa vez a Pierrot le fou, o bandido finge ter sido baleado pela polícia e cambaleia a gargalhadas, ironizando o medíocre serviço da polícia que não consegue e nunca conseguirá pegá-lo. Dessa vez ele não se suicida com uma dinamite como no filme de Godard, mas morre eletrocutado num lixão. Posteriormente seu corpo é achado pela polícia que duvidando ser o famoso assaltante, convoca o delegado ao local que comete o mesmo erro que o bandido e acaba morto eletrocutado e morre ao seu lado gritando ao final comicamente: “Mamãe!”
Com certeza esse filme é um marco no Cinema Brasileiro, aclamado pela crítica, Sganzerla estréia seu longa dignamente como Acossado de Godard e Accatone de Pasolini. O Bandido da Luz Vermelha satiriza tudo e a todos redefine os moldes conservadores e cria os futuristas. Genialmente editado, torna-se o expoente máximo do Cinema Marginal.


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Matou a Família e Foi ao Cinema


Estréia de Júlio Bressane propôs, em 1969, uma estética que radicalizava ainda mais a ruptura pregada pelo Cinema Novo.

Por: Rodrigo Carreiro

Júlio Bressane tinha 23 anos quando surgiu como um meteoro no cinema nacional, lançando dois longas-metragens praticamente consecutivos e propondo uma estética que radicalizava ainda mais a ruptura pregada pelo Cinema Novo. “Matou a Família e Foi ao Cinema” (Brasil, 1969), concebido e filmado em apenas 12 dias, foi o primeiro dos dois. Lançado de forma atabalhoada, o filme ficou em cartaz durante uma semana, em onze salas do país, e acabou retirado de circulação pela censura oficial graças às cenas de violência, consideradas fortes demais para a época. Acabou eternizando-se como um dos primogênitos do chamado “cinema marginal”, espécie de movimento não-oficial de índole niilista, que queria partir do zero para impor um projeto estético de cinema completamente novo.

Bressane e Rogério Sganzerla, amigo e sócio numa produtora de baixo orçamento, praticavam o lendário “cinema imperfeito” – o Santo Graal da esquerda cinematográfica latino-americana durante a década de 1960 – com um grau de sujeira inédito até então. Eles filmavam com câmeras de 16mm e quebravam todas as convenções narrativas possíveis e imagináveis. O som direto, captado nos sets de filmagem, tinha ficado horrível e não dava para entender o que os atores diziam? Eles deixavam assim mesmo. O operador de câmera perdeu o foco? Besteira. Não havia um roteiro completo para filmar? Improvisavam de qualquer maneira. O importante era a iconoclastia absoluta. Derrubar todas as regras e convenções narrativas, uma por uma.

Sganzerla, que no mesmo ano dirigiu um primo bastado bem mais famoso (“O Bandido da Luz Vermelha”), era mais irônico. Bressane apostava num estilo mais agressivo e metalingüístico, freqüentemente questionando o próprio filme. É o que acontece em “Matou a Família e Foi ao Cinema”, que consiste em uma série de episódios desconectados em tempo e lugar. O único elo que liga todos os esquetes é o assassinato, como o que ocorre logo na abertura, quando um rapaz (Antero de Oliveira) cansa das discussões ríspidas e diárias dos pais, num apertado apartamento de classe média em São Paulo. Ele mata os dois a navalhadas e vai ao cinema assistir ao filme “Perdidas de Amor”, sobre duas garotas (Márcia Rodrigues e Renata Sorrah) que se apaixonam enquanto curtem dias de férias numa granja isolada.

Logo, a narrativa se concentra no filme dentro do filme (e chega a criar um filme dentro do filme dentro do filme, quando as duas meninas comentam terem assistido a “Perdidas de Amor” e notado a semelhança entre as personagens ficcionais e elas próprias). É material para deixar espectadores desavisados sem entender nada. De qualquer forma, o trabalho de Bressane chama a atenção pela inteligência e pela coerência interna. Ele usa com criatividade, por exemplo, os enquadramentos, muitas vezes fazendo os personagens dialogarem com pessoas que estão fora do campo de visão. Essa atitude estimula o espectador a construir o espaço cênico dentro da própria imaginação, transformando-o de certa forma em co-construtor da narrativa. Às vezes, o próprio acontecimento que está sendo filmado acontece longe da tela, fazendo o espectador ter que usar o som (de péssima qualidade técnica) e a memória para acompanhar o desenvolvimento da ação dramática.

A valorização do espaço off-screen, inédito para a época, demorou vários anos para ser incorporado pelo cinema independente – o diretor austríaco Michael Haneke utiliza o expediente com precisão em “Violência Gratuita” (1997), outro trabalho metalingüístico ousado que, como o longa-metragem de Bressane, critica as representações midiáticas da violência enquanto chama a atenção para uma estética diferente e inovadora. Apesar do evidente caráter amador, “Matou a Família e Foi ao Cinema” cumpre bem o papel de fazer o público refletir sobre os próprios caminhos do cinema narrativo. Além disso, o final – com a lendária cena do disco de Roberto Carlos arranhado de um ponto crucial – é de uma beleza excruciante.

O filme de Bressane nunca foi lançado em DVD ou em qualquer formato para o mercado doméstico. A cópia mais conhecida circula na internet e foi gravada da TV italiana, tendo legendas fixas naquela língua. A qualidade de imagem é sofrível (1.33:1, preto-e-branco) e o áudio (Dolby Digital 1.0) também não tem qualidade profissional.

Fonte: http://www.cinereporter.com.br/dvd/matou-a-familia-e-foi-ao-cinema/

Trailer: