sábado, 12 de junho de 2010

Cinema, Debate e Café

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O humano demasiado humano
em La Dolce Vita
de Federico Fellini

por Breno Rodrigues de Paula

Federico Fellini (1920 - 1993) é o cineasta mais expressivo do cinema italiano. Sua filmografia é uma das mais ricas da Sétima Arte. O nome do cineasta italiano é freqüentemente colocado nas listas de “melhores cineastas de todos os tempos”. Um dos seus filmes, que sempre é citado em listas de “os melhores filmes da história do cinema”, é “A Doce Vida” (La dolce vita, Itália, 1960). O filme é uma unanimidade entre o público, os críticos e os estudiosos, que consideram-no a obra-prima de Felllini. Além de aplausos, boas críticas e uma grande quantidade de estudos, “A doce vida” foi laureado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1960. O filme é estruturado a partir de episódios encadeados como se fosse um mosaico. Pode-se dividi-lo em cinco partes, segundo cinco temas: o cinematográfico, o religioso, o intelectual, o familiar e o amoroso. O personagem central é o jornalista (colunista social) Marcello Rubini (Marcello Mastroianni), que tem acesso livre a todas as camadas e meios sociais da capital italiana.

Na primeira parte do filme, acompanhamos Marcello no ambiente da indústria cinematográfica italiana. O ponto de partida é a chegada da famosa atriz sueca Sylvia (Anita Ekberg), para atuar em filme que será rodado em Roma. A atriz é uma pessoa fútil, e ao mesmo tempo carismática, que se encontra no centro do “espetáculo”, como podemos notar na cena da “coletiva de imprensa”. As perguntas destinadas a ela vão desde “se a atriz está solteira”; ou “com qual tipo de roupa ela costuma dormir”; como também “o que ela achou da pizza romana”. Marcello caba se relacionado com Sylvia, ambos protagonizam a cena mais famosa do filme, e uma das mais famosas do cinema: A Fontana di Trevi. Nesta parte do filme, Fellini faz uma crítica a alguns aspectos da indústria cinematográfica, principalmente uma crítica às relações entre os profissionais dela.

Do ambiente da indústria cinematográfica, Marcello parte para o interior do país. Ele deve cobrir um caso de grande repercussão na Itália: duas crianças (um menino e uma menina) dizem ter visto a Santa Madonna (Virgem Maria). A história da aparição da santa se alastra, provocando um frenesi na população. Assim como a chegada de Sylvia, a suposta aparição da santa se torna um “espetáculo midiático”, o que nos leva a crer que tudo não passou de uma mentira e uma brincadeira inventada pelas crianças. Tem-se o ápice da brincadeira quando as crianças dizem ver a Madonna em meio à multidão de crentes. Chove, cria-se um tumulto-, o caos, mas o caos felliniano, no qual o sagrado e o profano se amalgamam através da ironia.

De volta a Roma, Marcello encontra com o seu velho amigo e professor Steiner (Alain Cuny). Discutem sobre o projeto do jornalista de escrever um romance. No sarau literário na casa de Steiner, conhecemos seus amigos poetas, escritores, intelectuais e a sua família: esposa e dois pequenos filhos (uma menina e um menino). Também este ambiente intelectualizado se mostra superficial. Marcello acha-o agradável, sente-se dividido pelos ambientes-, mas acredita que o conteúdo e a relações são as mesmas. Tanto que Steiner mata os seus dois filhos e se suicida, não são mostrados os seus motivos. Não há a necessidade, pois não há nada-, nenhum gosto no cotidiano da vida, seja doce ou amargo. Só que, normalmente, tal fato é midializado e, conseqüentemente, banalizado pela “sociedade do espetáculo”.

Na esfera familiar, Marcello reencontra o seu pai, que está em Roma a negócios. Após jantarem na Via Venetto (a região mais rica da cidade), o pai diz querer rever um cabaré que freqüentava na juventude. No cabaré, Marcello é reconhecido pelas vedetes. Uma delas, convida o pai para conhecer o seu apartamento. Marcello chega em seguida, a moça lhe diz que seu pai passara mal, uma súbita dor no peito. Não sabemos se o pai manteve relações sexuais ou não com a vedete. Há uma incomunicabilidade entre pai e filho, ambos agem friamente-, indiferentes em relação de um para com o outro. Aqui Fellini nos mostra o vazio das relações familiares, neste caso, o vazio da relação entre pai e filho.

Na esfera amorosa, Marcello tem uma namorada chamada Ema (Yvonne Furnaux) que é super protetora, neurótica e insegura. No entanto, o jornalista acaba se relacionando com diversas outras mulheres, dentre elas a aristocrática Madalenna (Anouk Aimée) e a atriz Sylvia. Na esfera dos relacionamentos amorosos impera a indiferença, o tédio-, o vazio. Uma cena curiosa ocorre quando Madalenna e Marcello levam uma prostituta até a sua pobre casa na periferia. Lá, Madalenna sente vontade de transar no “quarto sujo” com Marcello. A ação se mostra como um fetiche da jovem rica. Marcello se relaciona com lindas mulheres: Sylvia, Madalenna, Ema, Claúdia, mas é uma relação sem sentido, superficial-, como todas as outras: vazia.

O interessante é que os cinco grandes temas do filme: o cinematográfico, o religioso, o intelectual, o familiar e o amoroso são ironizados por Fellini. Ele nos mostra um mosaico fortemente marcado pelo sagrado e pelo profano, se bem que, em se tratando de Fellini, estes dois elementos se amalgamam, até mesmo se confundem-, pois o diretor utiliza-se do recurso da carnavalização através da típica ironia felliniana. A carnavalização dos eventos é sustentada pela idéia da “sociedade do espetáculo”, onde o humano é demasiado humano, de modo que ele deve ser midializado. Neste processo, suas ações mais triviais e insignificantes são ressaltadas. Não há consistência das ações e as relações humanas, em qualquer esfera e meio, são superficiais-, como nos mostra Fellini ao longo do filme.

A qualidade de um Artista e, acima de tudo, de sua obra se sustentam também a partir do impacto que ambos produzem no público e com o seu diálogo com a sociedade. Alguns dos seus elementos se desprendem da obra e passam a integrar a sociedade, sejam através de conceitos, idéias ou, até mesmo, expressões. Alguns artistas possuem os nomes transformados em adjetivos, temos o kafkaniano, o byroniano, o felliniano; assim também como algumas obras: há o quixotesco, o karamazoviano. No caso de “A doce vida”, o adjetivo “paparazzi” foi retirado do seu conteúdo devido ao personagem Paolo Paparazzo (Walter Santesso). O adjetivo tornou-se sinônimo de foto - jornalista que “persegue” celebridades.

Em “A doce vida”, Fellini faz uma análise da sociedade contemporânea, do cotidiano de Roma no final da década de cinqüenta do século passado. Marcello representa o homem que se configura a partir do século XX, moldado pela sociedade do espetáculo, na qual tudo são aparências e as ações sem sentido. Nada faz sentido para Marcello, mas o espetáculo da vida é, aparentemente, doce. Mas a doçura é melancolia, de modo que o doce não é tão doce, mas também não é amargo-, não há gosto nenhum. As relações humanas são vazias, sem sentido-, o espetáculo tudo banaliza. Não importa se a ação ocorra na pobre periferia, ou nos castelos, ou ainda na Via Venetto-, o homem é demasiado humano: medíocre como protagonista do seu próprio espetáculo.

 Fonte: http://travessaliteraria.blogspot.com/

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