domingo, 31 de outubro de 2010

O grande Ditador


O Grande Ditador

Por Rodrigo Cunha

"Apenas um gênio consegue fazer uma sátira em plena guerra, sem ofender e com cenas realmente engraçadas no conteúdo "

Charles Chaplin é um gênio. Isso é um fato que não há como discutir, que foi construído ao longo dos anos, conforme seus filmes iam sendo produzidos. É praticamente impossível que, uma pessoa que assista TV ou veja filmes, não o conheça, mesmo que indiretamente. Chaves, por exemplo, a famosa série de TV da vila e de pessoas atrapalhadas, é inteiramente baseada nas obras de Chaplin, inclusive com algumas cenas e falas retiradas de seus filmes. Como um bom amante de Cinema, não poderia deixar de comentar uma de suas maiores obras, talvez a que eu mais goste, talvez a mais crítica, com certeza a mais política de todas: O Grande Ditador.

O filme foi o primeiro a ter uma cópia restaurada e redistribuída autorizada pela família do ator, escritor e diretor (sim, Chaplin era isso tudo em seus filmes, e sempre brilhante), o que nos faz duvidar da legalidade e qualidade desses DVD´s que rondam as bancas brasileiras (se bem que eles ajudam, e muito, as pessoas a conhecerem as obras de Chaplin). Apesar de ter sido produzido em 1940 (13 anos após a estréia do som no Cinema), este foi apenas o primeiro filme totalmente falado de Carlitos. Antes disso, ele havia aberto sua boca (e mesmo assim não para falar) somente em Tempos Modernos (outro clássico), na cena em que ele canta de improviso para um bar lotado. Chaplin sempre acreditou que o som tiraria o expressionismo, o que, hoje em dia, realmente aconteceu.

Demorou, mas ele abriu a boca. A história aqui é em meio a Segunda Grande Guerra Mundial, onde os judeus estavam sendo esmagados pelo preconceito alemão. Chaplin, genialmente, interpreta os dois protagonistas da história: o ditador Adenoid Hynkel (em clara referência à Hitler) e o barbeiro Judeu. Irônico e atrevido, logo no início da projeção lemos uma mensagem que diz que qualquer semelhança dos personagens com a realidade é mera coincidência. Só que essa ousadia lhe rendeu alguns efeitos colaterais, como ter sido expulso dos EUA. Tudo devido a esta sátira em meio ao apogeu do criticado, coragem sem igual na época.

Durante suas duas horas e cinco minutos de produção (sem nunca ficar cansativo ou chato!), o filme é inteiramente feito de cenas clássicas do Cinema, sendo que a maior delas, sem sombra de dúvidas, é a que Hynkel brinca com o globo do mundo. Uma cena sempre imitada, jamais igualada. Seus movimentos, o significado, ela é inteiramente encantadora. Outra cena extremamente engraçada é o discurso alemão, sendo que nenhuma palavra sequer pode ser entendida. O esbravejamento, a calma, tudo é perfeitamente compreensível somente pelos movimentos.

O ditador alemão também divide hilárias situações com o outro ditador, Napoloni (satirizando Mussolini), onde os dois ficam em uma constante disputa de ego. A cena da barbearia, onde os dois ficam subindo as cadeiras para que o outro olhe para cima, e a briga de comida são críticas fortíssimas empregadas de maneira inteligente e extremamente divertidas. Este também foi o último filme de Chaplin com sua ex-mulher Goddard, assim como o último que teve presença do bigodinho.

O filme foi indicado para o Oscar nas categorias de melhor filme, ator, roteiro, ator coadjuvante e trilha sonora. Isso é, no mínimo, irônico. Expulso e consagrado, no mesmo lugar, na mesma época. Aqui ele realmente tinha algo a dizer com suas palavras. O discurso final, englobando tudo o que havia criticado durante o filme, é emocionante. A cegueira das pessoas também é criticada nessa cena. Como todas aquelas pessoas, que se dizem fiel, conseguiram confundir seu maior ídolo com um simples judeu com suas roupas? E as condecorações? Será que os militares não teriam percebido?

O filme é também menos engraçado do que os tradicionais, reservando-se mais em contar a história em certos momentos. Apesar desse fato e das cenas já comentadas, algumas outras não são menos engraçadas: o vôo de cabeça para baixo do avião, o judeu tentando controlar o canhão, o judeu fazendo a barba ao som de uma famosa ópera. Enfim, o filme é Chaplin, apenas com uma história mais séria para se contar.

O Grande Ditador é um dos melhores filmes que eu já vi, sem sombra de dúvidas. Esteja preparado para todas aquelas piadas ‘bobas’ que você está acostumado principalmente se assistir Chaves, pois foi tudo originado aqui. Só que, ao mesmo tempo, há excelentes sacadas e um tom extremamente irônico a diversos acontecimentos sérios satirizados. Indispensável, aconselho até aqueles que não gostam de filmes antigos por seu charme e poder de encantar a todos que estiverem assistindo.

Fonte: http://www.cineplayers.com/critica.php?id=254 Trailer

Trailer



O último discurso

de “O Grande Ditador”

“ Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, o gentio... negros... brancos. Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano.

Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos!

Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou grupo de homens, ms dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de faze-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder.

Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!"

Fonte : http://abismopoeticoecia.blogspot.com/2009_03_01_archive.html