quinta-feira, 1 de setembro de 2011

The horror! The Horror!



Apocalypse Now: do Aqueronte ao Gangis.  
por Breno Rodrigues de Paula


Poucos filmes na história da Sétima Arte tiveram tantos problemas no seu estágio de filmagem e receberam tantos outros louros quanto “Apocalypse Now” (1979) de Francis Ford Coppola. A equipe de filmagem teve que enfrentar um furacão; uma guerra civil nas Filipinas; Marlon Brando gordo; orçamento estourado; infarto do ator principal, para, mesmo assim, fazer um dos melhores filmes de todos os tempos, recebendo dentre os principais prêmios: a palma de ouro de Cannes, o Oscar, além de vários outros prêmios e milhões de dólares. O fime foi baseado no livro "O Coração das Trevas", de Joseph Conrad.
Apocalypse Now é um filme de guerra diferente. A historia se passa durante a Guerra do Vietnam, quando o Capitão Willard (Martin Sheen) recebe a missão de executar o Coronel Kurtz (Marlon Brando), que se considera um Deus e vive entre uma tribo do Camboja. No entanto, o filme não é “um filme de guerra”, mas sim sobre a guerra, sobre os conflitos da alma humana e de uma nação (estadunidense), conflituosa com os seus conceitos paradoxais.
“Em todo coração humano há um conflito”. Kurtz é adorado como um Deus. Para resolver o seu conflito, o Capitão Willard aceita a missão: vai seguir o rio e matar Kurtz. O rio tem uma importância central na narrativa do filme. Toda a narrativa se constrói em torno do rio: “Nunca saia do rio, se não for até o fim”. O rio é uma metáfora da vida e do seu curso. Há um início-, uma nascente, neste caso uma missão, e um deságüe-, o fim, o cumprimento da missão.

O rio segue o seu curso, “na loucura e no homicídio, todos tem a sua parte”, como diz o personagem Tenente-Coronel Duque (Robert Duvall). A loucura de uma nação e dos paradoxos dos seus conceitos fica evidente na cena em que há o espetáculo das coelhinhas da PlayBoy. O caos entre as imagens estadunidenses típicas do fetiche libidinal das Cowgirl e Índia Apache mescla-se com soldados fervorosos pela libertação de seus Eros, fundindo-se com o som de “Susie Q.” do Creedence Clearwater Revival.

Um dos pontos fortes do filme é a trilha sonora e a importância concedida a ela na estrutura do filme é muito grande. Logo no início do filme, tem-se um plano seqüência da selva com helicópteros bombardeando-a, em seguida, há o corte para o Capitão Willard num quarto de hotel de Saigon, tendo ao fundo a música do The Doors “The End”. A música dita o ritmo e os cortes entre os planos da cena. Há o corte da imagem da hélice do helicóptero para o ventilador do teto e vice-versa.

A música “The End” fornece a estrutura narrativa do filme e a acompanha. Ela retorna ainda numa das mais belas cenas do filme, quando o Capitão Willard está dançando sozinho em seu quarto, fazendo movimentos que lembram rituais indígenas. Ele está em transe. O álcool é o combustível do ritual. O ritual é a iniciação de sua missão. A música funde-se aos movimentos, dá-lhe ritmo. “The End” retorna ainda no final do filme, quando Willard está executando a missão: “eis que este é o fim”. O fim da missão-, o fim do rio.

Merece destaque ainda “A Cavalgada das Valquírias”, de Richard Wagner. A música serve de ingrediente para a cena mais famosa do filme: o ataque da “cavalaria do ar” comandada pelo Tenente-Coronel Duque. Há um balé, uma “cavalgada”, sincronizada de helicópteros que bombardeiam uma aldeia. A música aumenta a tensão. Duque ressalta que ela faz parte da “guerra psicológica”. Nesta cena, tem-se o ápice do filme. Aqui, tem-se um bom exemplo de como a música pode passar de diegética para extradiegética em um filme e alcançar o seu objetivo: dar mais expressividade à cena.

Apocalypse Now é um filme único-, espetacular que retrata, não os horrores da guerra do Vietnam, mas sim os horrores da loucura humana e os conceitos paradoxais de uma nação. Um joga cartas da morte sobre cadáveres, o outro se considera um Deus, enquanto um faz uma guerra sem sentido. O que temos é um filme filosófico, dialético de uma certa forma: homem x selva; rio x guerra. E a síntese, bem ela é alegórica e alucinante. “Só saia do barco, se for até o fim”. “This is the end”.

Fonte: http://travessaliteraria.blogspot.com/2008/07/apocalypse-now-do-aqueronte-ao-gangis.html



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