domingo, 23 de maio de 2010

Semana de Ciências Humanas




SEMANA DE CIÊNCIAS HUMANAS
MOSTRA DE CINEMA BRASILEIRO

Filme: A MARVADA CARNE

por Yuna Ribeiro




"... o homem, meio caipira, meio desprevenido, cercado de fileiras e prateleiras coloridas, mais que comida, mais que objeto de desejo, aproveita a chance, rouba um pedaço de filé e corre, a carne do pé contra o concreto e a "marvada carne" contra o peito."

Lá dos cafundós do interior sai Nhô Quim, típico caipira, numa trajetória através de seu tempo, suas crenças, culturas e lendas para se deparar com o concreto, um choque cultural que o absorve de tal forma, encaixando (agora ele é consumidor) e marginalizando, passa a ser o suburbano da favela. A carne na grelha do churrasco e a paisagem limitada pelas lajes.

Da cultura popular que o telespectador resiste em abandonar, pois encanta e diverte com o resgate do folclore e das raízes tão peculiares e ao mesmo tempo líricos. A escassez da carne, a pele envelhecida pelo sol, os horizontes, o mato, o pé no chão sujo de terra, som de cigarras e coaxar de sapos, o jeito de falar "conversa foi coisa que nunca fartou a esse fio de meu pai", tiro de espingarda em curupira, moça Carula donzela da roça, que discute com Santo Antônio, que nada pelada no rio que nunca mais vai dar peixe e que bebe do mesmo copo pra descobrir todos os segredos do pretendente, destaque para a forma de religião simples, bruta, pouco rebuscada, sempre permeada de superstições, lendas e anedotas. 
O fogão à lenha, arroz, feijão e abóbora em prato de barro e marmita na trouxinha de pano, toda a comunidade ajudando a preencher de barro a estrutura de madeira das casas, o plantio semente por semente, enxada, festa em volta da fogueira de São João, São Roque e o casório fugido no cartório da cidade pequena (casamento esse, que o pai Nhô Totó não podia aprovar, mas que depois de realizado foi de muito bom grado).

Os dois caipiras casados, dois filhos e nada da carne de boi, foi quando Nhô Quim resolve confrontar o diabo na busca definitiva pra mudar de vida. Negocia uma galinha preta com uma mocinha perdida num matagal e resiste por pouco a tentação, quase perdendo a galinha e o dinheiro pra um diabo que se revela muito bem paramentado, com cinta-liga preta, salto alto, rabo peludo, maquiagem carregada e voz distorcida.

Com o dinheiro, Nhô Quim pega um trem rumo à cidade grande para cumprir seu destino, e a cultura popular se depara com a cultura de massa na primeira vitrine, no encontro com o boi, muitos bois, brilhantes e ofuscantes nas telas das televisões empilhadas diante dos olhos deslumbrados. Barulho de carros, anda perdido pelas ruas, passa por um açougue, um caminhão de carnes, a abundancia que alimenta os sonhos e distancia a realidade. Para em frente de uma loja de sapatos, numa fotografia da poesia-conflito, do sonho, do desejo e da desigualdade, sentado na calçada com os pés descalços, tão perto daquilo que não pode ter.

No saqueamento de um supermercado, fica datada a mudança, e o homem, meio caipira, meio desprevenido, cercado de fileiras e prateleiras coloridas, mais que comida, mais que objeto de desejo, aproveita a chance, rouba um pedaço de filé e corre, a carne do pé contra o concreto e a "marvada carne" contra o peito.

Fonte: http://stoa.usp.br/yuna/weblog/24598.html

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ORFEU NEGRO

continue my afternoon commute practice of watching Brazilian films to learn Portuguese. This classic film is really impressive. (I haven’t seen the remake.) I would recommend it broadly. It sets the tale of Orpheus and Eurydice against the backdrop of a slum in Rio de Janeiro during carnaval. The music, the dancing, and the costumes are beautiful; the story is tragic. (It’s PG, but definitely has adult themes; I wouldn’t watch it with my little kids.)

Este filme adapta o conto clássico de Orfeu e Euridice a um contexto moderno: o carnaval em uma favela do Rio de Janeiro. Euridice chega do campo para visitar a sua prima no Rio na véspera do carnaval. Conhece a Orfeu – já casado aquele mesmo dia mas parece que isso não pode interromper o amor verdadeiro – e os dois acham uma felicidade breve antes de uma sucessão de eventos trágicos. O retrato do carnaval é maravilhoso: a música, a dança, os trajes, todos fazem um filme tremendamente belo além de emocionalmente trágico.

No filme, as duas mortes resultam tanto de ações bem intencionados mas mal informados (nos casos de Orfeu e de um gerente de estação bondoso) e da raiva cega (no caso da esposa de Orfeu). Nunca se explica a razão pelo qual uma das personagems morre, mas acho que demostra a forma aleatoria que toma a morte na vida às vezes.

Nota sobre o conteudo: O filme não tem sexo, nem a gente nua, nem a violência gráfica. Mas sim faz referência a existencia do sexo e algums temas escuros. Não o olharia com minhas crianças peqeninas.

Mas para todos os outros, eu sim o recomendo. É lindo, é trágico, e abre uma janela de gozo e morte nas favelas de Brasil. “A felicidade do pobre parece a grande ilusão do carnaval. A gente trabalha o ano enteiro…”*

* A penúltima canção do filme.

FONTE: http://tukopamoja.wordpress.com/2009/03/31/resenha-do-filme-orfeu-negro/

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CRONICAMENTE INVIÁVEL

O registro das relações sociais segundo Sérgio Bianchi

por Myrna Silveira Brandão

Cronicamente Inviável não é um filme denúncia. Também não é um filme daqueles que assistimos confortavelmente na poltrona, como se nada tivéssemos a ver com o que está sendo mostrado na tela.

O ótimo filme de Sérgio Bianchi é, antes de tudo, um filme para reflexão. Em seu quarto longa metragem, o cineasta paranaense faz um libelo contra a hipocrisia e não deixa pedra sobre pedra.. No painel sobre o caos em que se transformou a sociedade brasileira, não há bandidos nem heróis, todos têm a sua parcela de culpa: intelectuais, políticos, opressores, oprimidos; até os movimentos sociais dos negros, indígenas e dos Sem Terra não foram poupados.

Bianchi faz uma exposição nua e crua da realidade. Sabemos que a cena que estamos vendo 'mendigos se alimentando na lixeira do restaurante' , estará à nossa frente ao vivo na saída do cinema ou, no máximo, no dia seguinte.

E assim como esse, outros temas do dia a dia são lembrados: discriminação racial e social, devastação de florestas, impunidade,tráfico de órgãos, comércio de bebês, corrupção, trambiques e por aí vai.

"Sei que meu cinema não é popular; fiz um filme que tem diferentes formas de ver", disse Bianchi na pré estréia de Cronicamente Inviável, que levou 4 anos para ser realizado. O diretor teve que interromper o filme quatro vezes por falta de dinheiro.

Escrita por Bianchi e por Gustavo Steinberg, a história é costurada através de seis personagens: o escritor Alfredo (Umberto Magnani); o casal bem nascido Carlos (Daniel Dantas) e Maria Alice (Betty Gofman) que, para aliviar o sentimento de culpa, dá esmola e brinquedos para os pobres ; os dois frequentam o restaurante de Luís (Cécil Thiré) que explora sexualmente seus funcionários; Amanda (Dira Paes), de passado incerto e o cínico garçon Adam (Dan Filip Stulbach) completam o grupo.

O filme de Bianchi é um soco na boca do estômago, mas não é uma surpresa. Uma das características do diretor é a coerência; assim, seu último filme não foge ao estilo dos anteriores Maldita Coincidência, Romance, A Causa Secreta e o excelente Mato Eles?

Até a forma de utilização da trilha sonora - já mostrada em obras anteriores - é repetida por Bianchi, principalmente nas seqüências com tomadas aéreas da cidade ao som de músicas de bossa nova, evidenciando o paradoxo entre o Rio, cidade maravilhosa e o Rio, cidade violência.

Talvez uma das melhores frases sobre o filme tenha sido dita por Dan Filip Stulbach (que interpreta o garçon) na noite de estréia: "acho que Cronicamente Inviável é um filme necessário".

E com a câmera na(s) ferida(s), diríamos nós.

Fonte: http://www.mnemocine.com.br/cinema/crit/cronicamente.htm

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