quarta-feira, 20 de abril de 2011

Clássicos P&B!!!




Cidadão Kane
(Citizen Kane, 1941)
Por Rodrigo Cunha 

Um filme absolutamente imortal, uma das obras mais importantes da história do cinema.

Engraçado como a mente de um gênio funciona. Com pouco mais de 20 anos, Orson Welles dirigiu, produziu e roteirizou uma das maiores obras-primas da história do cinema. Nesta matéria, comentarei o filme em si, sua repercussão na época, algumas curiosidades, sua atualidade, o quão serviu para a evolução das técnicas do cinema e muito, muito mais. É complexo falar de Cidadão Kane; é complexo assisti-lo; é complexo entender sua importância.

É impossível falar do filme sem levar em conta a época que fora realizado. Se ainda hoje tem impacto e denuncia toda a sujeira por trás do sistema jornalístico mundial, imagine o apocalipse que causou na década de 40, tradicionalista e cheia de regras de conduta? Um personagem sujo, egoísta, egocêntrico, no meio de tantos galãs? Uma guerra começando e a denúncia ali, na tela? Era muito para as pessoas. Diversas abandonavam as salas de cinema revoltadas, e o filme foi muito mal em diversas críticas.

Ele começa com uma cena curiosa. Um castelo, que em breve sabemos que se chama Xanadu, com uma placa de “afaste-se” pendurada na grade e uma câmera que vai passeando por ele até uma janela. Até aí nada demais, para nós que estamos acostumados com uma certa linguagem no cinema, mas teve um significado muito maior na época. Depois a cena transição para dentro do castelo, outro recurso técnico inovador, vemos uma pessoa segurando uma bola dizendo “Rosebud”. Logo depois, ele a solta, entra uma enfermeira na sala e vemos que o homem está morto.

Tem-se início um documentário. Através dele descobrimos que quem acabara de morrer é ninguém mais ninguém menos que Charles Foster Kane, um dos homens mais importantes da época. O documentário tem duração de mais ou menos 10 minutos e mostra tudo resumidamente o que será aprofundado pelas próximas duas horas de Cidadão Kane. A partir daí, vemos quem está realizando o tal documentário, e que o mesmo não está satisfeito com o resultado provisório apresentado. Na tentativa de tornar o conteúdo mais interessante, ele coloca seus jornalistas atrás da resposta sobre uma questão que será a espinha dorsal do filme: o que diabos significaria “Rosebud”, a última palavra proferida pelo gigante Kane?

A genialidade de Welles entra junto com essa palavra, pois como poderiam saber qual foi se Kane estava sozinho na hora que a pronunciou? Welles jogou sabiamente com isso, e os mais despercebidos com certeza não notaram esse sutil detalhe. É como se nós, o público, tivéssemos espalhando a notícia. Isso mostra a profundidade do filme já na primeira cena. É como se fosse um aviso, “preste atenção em mim o tempo inteiro, porque nada aqui está por acaso, tudo tem seu significado, seu valor”. Realmente, é preciso ver Cidadão Kane com dois olhos, um de avaliador e outro de apreciador. Se possível, inúmeras vezes.

Na jornada para descobrir a resposta que procura, o jornalista Thompson (William Alland) entrevista diversas pessoas que mantiveram um forte contato com o magnata: sua ex-mulher (Dorothy Comingore, como Susan Alexander), seu antigo melhor amigo (Jedediah Leland, interpretado por Joseph Cotten), seu mordomo, etc. E a cada encontro uma nova história é contada, sempre de modo magnífico, trabalhando cada vez mais os personagens, evoluindo, fazendo transformações. As interpretações sempre perfeitas, com Welles extraindo tudo de seus atores. O modo como essa história é contada foi uma revolução para a época, por causa da narrativa não-linear. É necessário a atenção do espectador para colocar em ordem tudo o que o filme está apresentando. Nunca um filme havia utilizado tal sistema de flashbacks antes (sim, flashbacks já haviam sido usados, mas nunca dessa forma, assíncrona, para construir a história; eram utilizados apenas para esclarecê-la).

O interessante é que a descoberta do que seria “Rosebud” acaba se tornando um plano de fundo para descobrirmos o quão longe um ser humano pode chegar. Não é o verdadeiro foco do filme, e sim o trabalho sobre o personagem de Welles. Esse foi o primeiro grande impacto real que o filme causou sobre as pessoas, pois como falei acima, Kane não era o grande galã que elas estavam acostumadas a ver nas telas da época. Isso causou um repúdio ao personagem, acentuado ainda mais pelo jornalista William Randolph Hearst, que acreditava que muitos dos acontecimentos do filme foram baseados em sua vida real (e foram mesmo, o número de ‘coincidências’ é enorme). Ele começou uma forte campanha anti-Kane que afundou ainda mais o já sujo filme. Foi vaiado pelos poucos espectadores que não saíam do cinema ao final. O enredo, fazendo fortes críticas ao sistema jornalístico da época, é assinado por Herman J. Mankiewicz e o próprio Welles. Ousado, inovador, profundo, faturou o Oscar da categoria (mesmo com toda essa explosiva energia contra o filme, que das oito indicações, só ficou com essa).

Logo na cena de abertura, onde vemos o portão em primeiro plano e o castelo no segundo, é o primeiro aspecto técnico impressionante, afinal, era a primeira vez que a profundidade de campo era usada intencionalmente em um filme. Orson Welles trabalhou, durante toda sua duração (e brincando nesse começo), sobre a importância do que acontecia em primeiro e em segundo plano. Ele e seu Cidadão Kane foram os grandes responsáveis por talvez o recurso mais comum hoje em dia no cinema. Impossível um filme não se aproveitar dessa técnica. Outro ponto legal é a passagem do exterior do castelo para o interior, com a fusão de películas e um longo travelling. Isso era outro fator inédito, esses movimentos com a câmera, até então nunca utilizados. Se Griffith inventou a linguagem cinematográfica, foi Welles que a aperfeiçoou e deu as ferramentas para todos os diretores trabalharem com ela.

A direção de arte teve um papel importantíssimo, mesmo que passe despercebida para os espectadores casuais (bem, hoje em dia eles não existem mais, mas estou considerando a época em que foi realizado). Como o filme abrange diversos anos da vida de Kane, é impossível não perceber o belo trabalho da maquiagem. O modo como Welles foi transformado, envelhecendo anos junto com Kane é fantástico. Ah, vale citar que nem todos os cenários eram realmente o que apareciam. Muitos foram construídos pela metade para cortar custos e Welles mais uma vez provou sua competência ao fazê-los crescer frente às câmeras. No documentário inicial, por exemplo, foram usadas diversas imagens de arquivo para baratear a obra o máximo possível.

A fotografia é outro fator importantíssimo para o filme. Ao contrário do Expressionismo Alemão, que utilizava das sombras para tornar o protagonista parte do cenário, Gregg Toland (o fotógrafo do filme) utilizou o jogo de luz e sombras para dar o clima dark que queria. Sempre que Kane ia revelando seu lado negro, fazendo suas peripécias somente pensando em si, a sombra dominava o cenário, geralmente o encobrindo. O enquadramento foca tanto os primeiros planos como os segundos, sempre jogando com isso, diversas vezes mostrando o teto dos cenários, brincando com o tamanho aparente e seus egos no momento.

O que pode ter sido a gota d´água para Randolph processar Welles e fazer todo o estardalhaço anti-Kane (o que hoje em dia poderia acabar influindo a favor do filme, já que todos ficariam curiosos para saber qual bomba seria esta fita) não deve ter sido o modo como ele estripou o caráter de Kane. Não deve ter sido todo o repúdio ao jornalismo e as pessoas que se sentiram ofendidas com isso. Deve ter sido justamente a palavra Rosebud, o coração do filme. Welles poderia ter escolhido qualquer outra palavra no mundo, mas por que ele foi colocar justamente o nome como Randolph chamava o clitóris da amada?

Falei, no início dessa matéria, que o filme se mantinha atual, apesar de já ser sexagenário. Mas, por que? É bem simples. É só ver que todas essas críticas, toda essa sujeira que é percebida até hoje quando o assunto é jornalismo, onde uma TV especializada, por exemplo, deixa de dar uma importante notícia só porque uma pessoa que já foi famosa já não é tanto hoje em dia. É só ver o que uma pessoa faz para se manter por cima, ver todas as pessoas que ela não faz questão de pisar para que seu ego continue alto. É natural. Não que seja certo, mas está no sangue do ser humano, não há como negar as origens.

Na restauração da imagem e do som, para que uma boa qualidade fosse alcançada, foi necessário um trabalho foto-químico digital em uma cópia guardada no MoMA, já que a original havia se perdido em um incêndio. Por pouco não ficamos sem um dos maiores clássicos do cinema, considerado por muitos críticos como o melhor filme já feito de todos os tempos.

O reconhecimento veio com o tempo. Não que Welles tenha feito uma obra tendo em vista que ela fosse amadurecer e ser reconhecida com o passar dos anos, isso aconteceu naturalmente, talvez impulsionado pelo impacto causado na época. As pessoas ficaram curiosas, estudaram o filme e perceberam o talento do jovem diretor de apenas 25 anos, todo o seu simbolismo, sua inovação e, principalmente, sua importância dentro do cinema. É triste ver que um gênio como esse passou muita dificuldade na vida, enquanto algumas pessoas que se consideram diretores hoje em dia nadam nos cifrões de Hollywood.

Pode ser que nem todos gostem tanto assim da história de Cidadão Kane, mas, analisando toda a sua importância, o filme é impecável. Um grande clássico do cinema que deve ser assistido por todos, não importa a idade, o sexo, os valores humanos. Inesquecível, um filme que estará vivo facilmente por outros 60 anos.









Casablanca
(Casablanca, 1942)
Por Rodrigo Cunha 

Uma obra-prima atemporal, que superou tantos problemas para escrever o seu nome na história.

"You must remember this..."

É impressionante o fato de Casablanca já ter mais de 60 anos e continuar emocionando. Isso porque os padrões de filmes românticos já mudaram tanto, mas tanto com o passar dos tempos que fica difícil realmente entender porque este filme continua tão maravilhoso. Curioso que, como toda grande produção, este longa passou por inúmeros problemas antes de ser finalizado. Era um roteiro que chegava diferente todos os dias às mãos da equipe, atores apressados para terminar suas participações para, assim, irem filmar outros longas (este era considerado um filme secundário), e por aí vai, em uma lista quase interminável de complicações.

Rick (Humphrey Bogart) é dono de um famoso bar localizado em Casablanca, Marrocos, rota de fuga para quem deseja escapar da Guerra e seguir para a Europa. Ele leva seu negócio com maestria, sem problemas com os guardas e dando a segurança necessária aos seus clientes, tudo embalado pelas mais belas canções tocadas por Sam (Dooley Wilson), seu fiel - e talvez único - amigo. Só que quando um amor muito mal resolvido do passado (Ilsa, vivida por Ingrid Bergman) chega ao seu bar, ele deve decidir se deve ajudá-la ou não a escapar junto com seu importante marido.

Ele é Victor Laszlo, interpretado pelo astro Paul Henreid. Ator famoso na época, só aceitou esse papel 'secundário' em troca do seu nome aparecer no topo do cartaz. Porém, apesar de ser um papel considerado 'secundário' (afinal, a história principal é mesmo entre Rick e Ilsa), sua importância dentro da trama é enorme. Ele é o moinho que faz as águas da história correrem. Por sua causa a história principal acontece; é por sua causa que a vida dos personagens é alterada; é por sua causa que o filme tem a conclusão que tem.

Engraçado que as páginas do roteiro chegavam às mãos dos atores todos os dias, e olha que não estamos falando de George Lucas! Brincadeiras a parte, isso acontecia porque os roteiristas trabalhavam incansavelmente no roteiro, todos os dias, e não tinham um final para a história até pouco tempo antes da seqüência ser filmada. Isso chegava a irritar Ingrid Bergman, que sempre perguntava aos roteiristas: "Por quem eu devo demonstrar mais amor?", e ouvia um "Interprete de forma ambígua. Quando tivermos um final, você vai ser a primeira a saber" em troca.

E não é que deu certo? O resultado é um romantismo de primeira; uma mulher presa ao passado, mas que não consegue deixar de olhar para o futuro. Uma das mais marcantes interpretações da história do cinema, mesmo que Ingrid tratasse esse filme apenas como mais um - ironias a parte, justamente aquele que as pessoas mais lembram nos dias de hoje. Toda vez que tinha uma pausa, durante as filmagens, corria para o telefone para saber como estariam as negociações de sua participação em Por Quem os Sinos Dobram?, que hoje é muito menos conhecido que Casablanca.

Óbvio que Humphrey Bogart não é nenhum galã, mas ao lado de Ingrid Bergman, quem não fica mais charmoso? O homem com mágoas do passado, que deve decidir por um grande amor ou uma causa maior para todos é, sem dúvidas, sua melhor performance nas telas. Basta comparar sua interpretação com as inúmeras refilmagens e adaptações para a TV - nenhum outro ator conseguiu sentir o cheiro da poeira de Bogart. O que deixou Rick imortalizado foi o seu humor ácido e o jeito cafajeste de tratar a tudo e a todos, mas sem nunca parecer arrogante ou antipático. É a mais perfeita escola de anti-heróis de Hollywood.

Outro personagem interessantíssimo e que tem grande presença no longa é o Capitão Renault. Suas cenas são engraçadas, revoltantes, e mostram bem como tudo funcionava em Casablanca. Conrad Veidt (do bacaninha O Homem que Ri) faz uma pequena participação como o Major Strasser, e Sydney Greenstreet aparece como Signor Ferrari. Nomes que fortaleceram a obra, mesmo que ela não precisasse de nada disso para ser grande.

Mesmo com tanta alteração e indecisão no roteiro, é impressionante o número de diálogos inteligentíssimos e no tempo certo do longa. Quem nunca ouviu falar de "Estou de olho em você, garota" e inúmeras outras passagens do longa? É uma mistureba deliciosa de ação, policial, drama e, a mais marcante de todas as características, o romance. Um 'eu te amo' não soa piegas por aqui. É o amor à moda antiga, embalado e digerido da melhor forma possível, mesmo tanto tempo depois. Um filme que poderia estar datado, afinal, se passa durante a Segunda Guerra Mundial. Mas ao invés de se concentrar na época, os personagens apenas a vivem, então sua atemporalidade está nas ações, e não no ambiente.

Como era um filme menor do estúdio, Casablanca viveu grandes problemas, principalmente na parte orçamentária. Tudo tirado de letra por Michael Curtiz, que nunca foi tão bem assim com atores, mas como técnico, não havia outro diretor igual. Seus impressionantes movimentos de câmera, somados à uma fotografia linda que aumenta de forma bastante expressiva o contraste entre preto e branco, tornam tudo ainda mais inesquecível. O que dizer da última seqüência, feita com um avião de madeira e anões, para dar escala ao cenário, sem nunca transparecer aos olhos do público? Ele realmente era um gênio, e o seu modo de resolver os problemas junto à produção é um exemplo até os dias de hoje.

Como falei, fica difícil entender porque Casablanca continua tão bom, mesmo com o passar de tantos anos. Talvez pelos personagens marcantes, pelos diálogos inesquecíveis, pelo romantismo constante, pela parte técnica inigualável... O leque de opções está aberto, cabe apenas a você decidir qual das opções lhe parece mais conveniente. Sinceramente? A decisão pouco vai importar, afinal, Casablanca é eternamente apaixonante como um todo.



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