quinta-feira, 14 de abril de 2011

Walter Salles






Abril Despedaçado
 (Abril Despedaçado, 2001)
Por Alexandre Koball

Um sólido e importante drama para o cinema nacional, mostrando que Walter Salles continua em forma.

A cada crítica de um filme brasileiro (ou mesmo latino), repito a mesma coisa: nosso cinema (e dos nossos vizinhos) está crescendo em um ritmo bastante razoável. Hoje já é possível ver nas salas de cinema, em bastante número, filmes falados em português e espanhol que, na sua média, são melhores do que os norte-americanos. Coisa que na primeira metade da década de 90 acontecia muito pouco. Está crescendo a quantidade e a qualidade dos filmes. No caso do Brasil, tudo começou com a surpreendente indicação ao Oscar de O Quatrilho, que fez todo mundo voltar os olhos para o nosso cinema. A partir daí, ganhamos destaque ainda maior com O Que É Isso, Companheiro?, filme de Bruno Barreto também indicado ao Oscar e, principalmente, Central do Brasil, filme que conseguiu um feito raro: indicar uma atriz que não fala idioma inglês para melhor do ano. Ao lado de Central do Brasil, Fernando Montenegro foi indicada ao Oscar de 1998. Nem filme nem atriz levaram o prêmio, mas valeu a experiência e ficou o orgulho.

Mas o melhor ainda estava por vir. Cidade de Deus  foi “O” filme nacional, que fez milhares de pessoas se voltarem definitivamente ao cinema daqui, prova disso é o sucesso comercial de Deus é Brasileiro. Confesso que apenas passei a me interessar pela cinemateca nacional a partir do lançamento do filme de Fernando Meirelles. E garanto: vale à pena ir atrás de outros filmes nacionais. Abril Despedaçado é um deles. Ele é o novo projeto de Walter Salles depois de Central do Brasil. Foi feito com grandes pretensões artísticas, mas acabou saindo frustrado das grandes premiações, ganhando uma indicação ao Globo de Ouro, mas ficando de fora do Oscar.

Abril Despedaçado também foi muito mal lançado, pelo menos aqui no Brasil. O filme saiu meses antes nos cinemas norte-americanos (por causa da possibilidade de uma indicação ao Oscar), e somente no final do primeiro semestre de 2001 apareceu no Brasil (já tendo sua imagem bastante desgastada). Certamente a indústria do cinema nacional ainda tem muito o que melhorar, pois Abril Despedaçado é um filme tão bom quanto Central do Brasil, e teria merecido um lançamento nacional em larga escala. Acabou se dando melhor nas locadoras, meses depois. Pelo menos isso...

O tema rural-nordestino, presente em Central do Brasil, continua em Abril Despedaçado. É um filme que fala da pobreza, e da falta de informação das pessoas (estou generalizando aqui) do interior do interior do Nordeste brasileiro que, vivendo sem esperança, pouco fazem – e pouco querem fazer – pra mudar sua situação. Se bem que o filme se passa em 1910, e se hoje ainda há muita desinformação para a população miserável, imagine naquela época.

Basicamente, é a história de uma disputa sem fim entre duas famílias. Tonho (Rodrigo Santoro) deve vingar o nome da sua família matando o filho mais velho da família rival (que matou antes um membro de sua família). Acontece que assim que realizar a vingança, ele sabe que, com a chegada da próxima lua cheia, ele também será morto, e não há nada que os chefões das famílias façam nem queiram fazer para este ciclo ter fim. Quando a camisa manchada de sangue do morto anterior amarela, é hora de se vingar.

É uma história muito triste. O trabalho das pessoas é difícil, repetitivo e não dá esperança nenhuma (eles produzem rapadura). Talvez morrer não seja tão mau, portanto. Mas a esperança eventualmente chega para Tonho, quando ele encontra em seu caminho um casal de artistas de circo de rua, e se apaixona pela mulher. Logo, Tonho finalmente vê um novo significado para a sua vida e tenta convencer seu pai que a disputa entre as famílias nunca levará a lugar nenhum (o que é verdade). A partir daí, Tonho vive o dilema de ou cumprir o seu papel, sendo morto, em respeito a seu pai, ou tentar acabar com a disputa.

Rodrigo Santoro, que faz Tonho, é hoje o melhor ator de sua geração no cinema brasileiro. Não é à toa que está em vários filmes importantes, como Bicho de Sete Cabeças e logo logo vai aparecer em Carandiru (além de também fazer uma ponta em As Panteras 2). Mesmo tendo fama de galã, ele convence como um rapaz pobre e sofrido do campo (o que poderia ser difícil de acontecer, já que o público liga ele diretamente a uma imagem de riqueza e glamour). Assim como em Central do Brasil, há também um menino que tem papel importante no filme. Interpretado por Davi Ramos Lacerda, Pacu é o irmão mais novo de Tonho, que tenta dar apoio a ele ao mesmo tempo que leva cacetada do pai por causa disso.

Tirando as belas interpretações de todo o elenco, e ao lado de Rodrigo Santoro, o principal destaque do filme é a fotografia. A equipe de produção conseguiu transformar o seco e sem graça sertão nordestino em um lugar belíssimo, com um contraste lindo entre o marrom da terra e o azul incessante do céu, explorando bem elementos como a noite e o pôr-do-sol. É talvez uma das mais belas fotografias do cinema brasileiro nos últimos anos.

Com todas suas qualidades, Abril Despedaçado não está livre de falhas. No final, é mais um filme sobre a pobreza e desesperança do povo nordestino. O filme também peca por não aprofundar certos pontos, como a briga entre as duas famílias (a história de Tonho é mais importante do que a disputa, no final das contas), e não dá pra deixar de pensar o tempo todo que o filme, enquanto belo, é extremamente estilizado, moldado para a arte, o que é sem dúvida algo bastante pretensioso. Filmes americanos fazem isso o tempo todo quando querem ser indicados ao Oscar. Você nunca ouviu a frase: “este filme foi feito para o Oscar”?

Mas, com toda a certeza, os pontos fortes sobressaem-se em relação aos pontos fracos, e o saldo geral é que Abril Despedaçado é um filme muito bom, de boas atuações e com uma história, embora já contada tantas vezes, muito boa. É uma lição de esperança, força-de-vontade e coragem em um cenário que não oferece nada disso. Vale a pena ser assistido.




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