quinta-feira, 28 de abril de 2011

Javier Bardem



 
Mar Adentro
(Mar Adentro, 2004)
Por Rodrigo Cunha
       
Um filme polêmico, de personagens fortes e que, com a mais absoluta certeza, vai te levar às lágrimas.

Já haviam se passado alguns bons anos desde que a Espanha conquistara seu último Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, com seu mais importante cineasta da atualidade, Pedro Almodóvar e o seu Tudo Sobre Minha Mãe. Porém, ela sempre se manteve viva durante as premiações, como o Oscar de Melhor Roteiro para o mesmo Almodóvar, por Fale com Ela, além de uma honrosa indicação à Melhor Diretor pelo mesmo trabalho. É de se espantar então que, em 2005, o indicado do país à categoria não seja o novo trabalho do diretor, A Má Educação, e sim um filme polêmico e poético de um diretor chileno chamado Mar Adentro. A escolha não poderia ter sido mais correta.

Ousaram, mas colheram os frutos nesta noite de 27 de Fevereiro de 2005. O novo filme do cineasta Alejandro Amenábar é polêmico, com bastante conteúdo a ser discutido e ainda reserva um importante espaço para a poesia, que eleva ainda mais o seu trabalho no status da arte. É um filme lento, mas que consegue sustentar muito bem o seu ritmo por ter diálogos afiadíssimos e personagens extremamente cativantes, o que nos faz importar com seus destinos e entender suas atitudes e sofrimentos.

Conta a história real de Ramón (Javier Bardem), um homem que era totalmente saudável, inteligente e viril, até sofrer um acidente e ser obrigado a viver, contra sua vontade, paralisado em uma cama, dependendo da ajuda de seus familiares para todas as suas necessidades básicas. Vinte e seis anos depois, ele consegue uma advogada disposta a ajudá-lo em seu caso. Confrontando questões morais, religiosas e sociais, Ramón tenta legalizar uma petição que lhe dê autorização  para cometer eutanásia, sem que nenhuma das pessoas que o ajudarem sejam prejudicadas por suas ações.

O interessante é que a personalidade de Ramón é bastante forte, de idéias firmes e de atitudes grosseiras com quem as contraria. Apesar disso, Javier faz um trabalho incrivelmente competente, nunca deixando que tenhamos raiva daquela pessoa, mesmo que ele não esteja com a razão absoluta em seus atos. Razão que aqui fica difícil de encontrar, porque por mais que a moral nos conduza a responder que ele deveria procurar viver ao invés de morrer, todas as suas atitudes, lembranças e argumentos nos remetem à uma dor intensa em que o personagem vive. Nesse sentido o filme é muito feliz, pois consegue colocar o personagem rindo e, ao ser questionado o porquê disso, ele responde algo bastante forte e chocante. Simplesmente um sacrilégio Javier não ter sido ao menos indicado para o Oscar de Melhor Ator deste ano.

É um filme bastante depressivo, forte, mas que pode fazer muitas pessoas suspirarem de alívio por não estarem na mesma situação. E ao mesmo tempo que poderia servir de péssimo exemplo para quem vive do mesmo jeito, Ramón tem atitudes bastante pessoais, deixando sempre claro que ele não generaliza o caso. É apenas ele, com a vida dele, e ninguém tem nada com isso. O famoso não ajuda, mas também não atrapalha. Outro ponto importante a ser dito é explorar as possibilidades que uma pessoa nesse estado tem, como o fato de Ramón conseguir transformar em poesia suas dores e sentimentos.

Nos momentos em que Amenábar deixa a imaginação de Ramón tomar as rédeas da narrativa, temos alguns dos momentos mais bonitos do filme, que ajudam a entender melhor as vontades e sonhos do personagem. Mesmo que alguns efeitos não ajudem muito na verossimilhança daquilo que estamos vendo, há uma seqüência absurdamente bonita, que vai fazer muitas pessoas se derramarem em lágrimas ainda no meio da projeção - sim, a seqüência do vôo. O leque de personagens que o rodeiam também ajudam a construir um cenário mais forte e detalhado, pois entendemos o que cada um sente e reage a respeito da situação.

O maior defeito de Mar Adentro é que ele esteja chegando em um momento onde a questão da eutanásia, apesar de polêmica, bem trabalhada e ainda chocante, está um pouco saturada no cinema. Ainda assim, apresenta uma visão diferente e mais depressiva do que outros filmes que tratam sobre o mesmo assunto. Tem também um certo problema de ritmo com seus personagens, que apesar de maravilhosos e não se aplicar ao personagem principal, as vezes alguns somem e ficam muito tempo fora das telas, para reaparecer muito tempo depois e fazer alguma coisa importante para a trama. Não confundam ritmo de personagens com o ritmo do filme, pois esse é muito bom e nos mantém sempre presos à história que está sendo contada.

Alejandro Amenábar é um diretor em um grande momento. Depois que Tom Cruise comprou os direitos para refilmar Abre Los Ojos, que resultou em Vanilla Sky, em troca de financiar a obra-prima Os Outros para o diretor, ele alcançou projeção internacional com seus trabalhos. Agora então, figura entre os grandes nomes do cinema mundial, um diretor jovem, corajoso e que ainda pode dar frutos maravilhosos em seus próximos trabalhos. Prepare-se para levar um soco no estômago em seus conceitos durante e depois de assistir a essa pequena obra-prima do cinema espanhol.




Sombras de Goya

(Goya's Ghosts, 2006)
Por Demetrius Caesar  

Milos Forman retorna à direção com um filme cheio de erros insuportáveis.

Sombras de Goya é um filme cheio de erros insuportáveis, sendo o maior deles a escalação de Natalie Portman para o papel principal duplo, de mãe e filha espanholas. O objetivo da obra é contar um pouco da história do pintor Francisco Goya, um dos maiores da história da arte, sem cair na cinebiografia de artista, que parece ter virado um subgênero em Hollywood, tamanha a quantidade de exemplares nos últimos anos. Em alguns momentos, o filme até que conseguer voar alto e ser belo, mas em seguida derrapa miseravelmente.

Começa engenhoso e criativo. Estamos na Espanha do início do século 18, o terror da Inquisição soterra a rica Espanha. Seus padres carrascos, ao verem as litografias de Goya, querem logo a condenação do artista. Um dos inquisidores (Javier Bardem) o protege pois, vaidoso, quer ser pintado pelo então maior artista da Espanha (Goya já era o pintor oficial do rei Carlos IV).

Enquanto isso, os inquisidores levam para as masmorras católicas uma jovem de família rica apenas por ela ter rejeitado carne de porco numa taberna, sendo acusada de judaísmo. O pai da moça recorre então a Goya para interceder com os carrascos e daí entra o pintor, interpretado com elegância e distanciamento brechtiano por Stellan Skarsgard.

Mas a Igreja Católica, cega de cobiça pelo ouro espanhol, via em qualquer judeu uma ameaça, recusa qualquer piedade em relação à moça, o que leva seu pai a atitudes desesperadas. O padre vai às catacumbas conhecer a moça torturada e termina por estuprá-la, gerando-lhe uma filha, menina esta que vai resumir um pouco a história da Espanha pós-Revolução Francesa: o prostíbulo da Europa.

Até aqui, é o que o filme tem a sensibilidade artística européia do diretor tcheco Milos Forman (radicado nos EUA desde a década de 60) aliado à perícia do roteirista francês Jean-Claude Carrière. O filme caminha elegante e refinado, com belas imagens, algum ritmo e diálogos razoáveis. Funcionam aqui tanto a produção esmerada do produtor Saul Zaentz (de O Paciente Inglês) quanto a direção de arte de Patricia von Braumeister. Destaque para quando o filme focaliza todo o processo de se produzir uma serigrafia, que tornou Goya não só famoso em seu país, mas em toda a Europa, em especial a França, então um caldeirão fervilhante que desaguaria na Revolução.

Juntos, diretor e roteirista tentaram contar um pouco da história da Espanha, da Europa, jogaram com filosofia libertária do iluminismo e principalmente contra todas as formas de submissão do ser humano, seja religiosa ou política, além de flertar com as pinturas de Goya, que foram transpostas para as principais cenas do filme. Daí em diante, o filme se torna um dramalhão insuportável, risível até.

Há excesso de melodrama na segunda parte da trama, uma atriz sem talento e careteira no papel principal, excessiva simplificação quando Napoleão entra na trama (afinal, só pinceladas para o público não se perder), de forma que Sombras de Goya definha e se apequena.

O cineasta Milos Forman tornou-se famoso pelo filme Amadeus, um dos melhores filmes dos anos 80, também biografia de artista, no caso de Mozart, e pelo superestimado Um Estranho no Ninho. Sua carreira oscila muito. Quando abandonou os filmes mais artísticos e enfiou-se na cultura pop, como quando fez outra biografia, agora do editor da revista pornográfica Hustler em O Povo contra Larry Flint, fez filmes menores, no entanto não desprovidos de interesse. Foram filmes muito criticados e de bilheterias fracas, que sepultaram a reputação de Forman e provavelmente afastaram o público deste Goya’s Ghosts.

Quando solta sua enorme cultura e sensibilidade européias na feitura de seus filmes, Forman acerta em cheio. Quando opta pela cultura de massa e seus reducionismos massificantes, comete equívocos, como esses que soterraram Sombras de Goya.


Fonte: http://www.cineplayers.com/critica.php?id=1161


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