quinta-feira, 7 de abril de 2011

The kids aren´t all right




Tiros em Columbine
(Bowling for Columbine, EUA, 2002)
Por: NIC1138

Os elogios que Tiros em Columbine têm arrancado ao redor de todo o mundo são merecidos. O filme é excelente.

Michael Moore é um comediante ativista, mais ativista do que comediante, que briga desde a década de 1980 com o governo americano e as grandes empresas que o controlam, e tenta ser um oásis de bom-senso em meio à alienada mídia americana que também é um constante alvo de suas críticas.

Moore já tinha experiência como jornalista desde 1976 antes de ingressar na carreira cinematográfica com o aclamado filme Roger & Me de 1989. Ele também dirigiu uma série para a televisão chamada TV Nation de 1994 a 1995.

O filme possui um formato muito bom, a profundidade com que aborda os temas é razoável e a porção comédia também é bacana - apesar de ser aflitivo o fato de não sabermos se algumas coisas mostradas lá são mesmo risíveis. Moore usa o incidente em Columbine como pretexto para expor a cultura estadunidense de submissão ao medo e de alienação em massa. Gente de todo o tipo aparece no filme, desde estudantes da escola, moradores da cidade de Littleton e caipiras membros de milícias, a prefeitos canadenses, professores universitários e astros do rock.

Os filmes de Michael Moore possuem algo muito difícil de se encontrar em um documentário: são bastante pessoais. Ele não é um reporter profissional fazendo uma cobertura de um assunto, ele é claramente um cidadão que tenta compreender o que há de errado dentro de sua comunidade, e esse toque pessoal é o que faz a diferença. Nota-se como Michael vai desenvolvendo suas críticas e argumentações ao longo do filme, enquanto que nós mesmos vamos formando novas opiniões sobre os assuntos tratados.

Mas esse ar pessoal do filme nem sempre funciona bem. Vez ou outra sente-se um certo grau de parcialidade inadequado, e em alguns instantes Moore aumenta as coisas usando desonestos recursos cinematográficos, e também atuando em papéis de indignação sem conseguir convencer muito. Mas no fundo percebe-se que não são erros maiores do que se pode desculpar com o velho ditado "errar é humano".

Não é só a preocupação pessoal de Moore que fica clara no filme. Um dos entrevistados no filme é Matt Stone, que só por ser um dos criadores do desenho South Park já merecia ter espaço para alguma opinião mostrada. Mas ele mostra que não é só um artista que resolveu fazer aquele programa "do nada". Ele estudou no mesma Columbine anos antes da tragédia, muito próximo portanto da cultura em que aquilo ocorreu, e na entrevista vê-se como existe muito de pessoal em seu tabalho. A entrevista com o shock rocker Marilyn Manson também é muito boa, e vai chocar quem nunca viu antes a maturidade com que ele se expressa fora dos palcos.

E por falar em animações com críticas aos costumes norte-americanos, Tiros em Columbine traz, durante sua projeção, uma animação muito legal criada por um tal de Ryan Sias e feita em Flash.

Pra terminar: Moore e o filme fazem parte de uma história maior que você só poderá conhecer acompanhando notícias nos jornais. Um bom lugar pra começar é o site oficial do diretor anunciado no final do filme (depois de tocar What a Wonderful World interpretado por Joey Ramone). Se você também gosta de não-ficção, não deixe de visitar o site! O pau está quebrando feio nos EUA desde o fatídico evento daquele 11 de Setembro, e parece que será justamente sobre esse quebra-pau que o próximo filme de Michael Moore vai falar.







Elefante
Elefante (Gus Van Sant, 2003)

Como é horrível e belo o dia que ainda não vi: Elefante de Gus Van Sant

John é levado para escola por seu pai completamente alcoolizado. Elias tira fotos de um casal no parque próximo ao colégio. Nathan e Carrie combinam o seu fim de semana com os amigos em meio a uma suspeita de gravidez. É assim, e com mais cinco visões, que Gus Van Sant caracteriza o massacre na Columbine High School.

Elefante ganhou a Palma de Ouro e o prêmio de melhor diretor no festival de Cannes em 2003. Em um de seus filmes mais notáveis Gus Van Sant narra o atentado de Columbine, que ocorreu nos EUA em 1999. Diferente de Tiros em Columbine de Michael Moore em que o massacre foi utilizado como ferramenta política, Van Sant humaniza a tragédia, narrando seus antecedentes de maneira delicada e sutil.

Apesar deste diferente ponto de vista Elefante também contém uma crítica política, porém de maneira mais disfarçada. O símbolo do partido republicano nos Estados Unidos, maior representante do conservadorismo e também maior entusiasta da livre distribuição de armas de fogo, é um elefante.

A construção dos momentos anteriores ao ataque é feita a partir do ponto de vista de vários personagens, alguns já citados no início deste texto. Cada um deles representa, alguns de maneira mais clara do que outros, segmentos sociais do high school americano. Entre eles o atleta, as jovens fúteis, a menina com poucos amigos, o artista, entre outros.

A construção fotográfica e a montagem foram essenciais para estabelecer esses pontos de vista distintos de um mesmo acontecimento. A câmera funciona, durante toda a ação, como um espectador próximo. Os quadros oscilam entre grandes planos gerais, que caracterizam o espaço diário de cada um dos personagens, e longos planos seqüência, que acompanham o caminhar por entre os corredores da escola.

O baixo contraste da foto merece ser destacado por estabelecer visualmente a apatia que rondava a vida dos personagens. Van Sant utilizou, para destacar momentos tranqüilos da vida de alguns personagens, a câmera lenta, dando um visual muito calmo para momentos que antecedem um fato tão tenso.

A montagem, feita em moviola, assume um papel importantíssimo na construção temporal da narrativa. Múltiplos eventos simultâneos são apresentados de maneira linear. Algumas marcas são repetidas, juntando as ações que são apresentadas de diferentes pontos de vista.

Elefante consegue de maneira excepcional caracterizar a vida dos adolescentes americanos. O filme aponta a distância entre os grupos sociais que convivem diariamente, contextualizando, em parte, a dura vida de alguns adolescentes.

Os diálogos são pouco trabalhados nesta narrativa. As falas servem somente para apresentar a rotina de cada um dos personagens e estabelecer a dinâmica da escola. A trilha sonora, por outro lado, é muito bem trabalhada e, com a escolha de músicas clássicas muito tranqüilas, cria uma oposição ao drama do atentado.

O ritmo deste trabalho de Gus Van Sant é, como na maioria de seus filmes, bastante lento e focado principalmente nos indivíduos que realizam ou sofrem a ação. A tensão é estabelecida pela temporalidade única de Elefante. Depois de não muito tempo recebemos a informação de que ocorrerá o ataque, porém ele só aparece no final da narrativa.

O atentado que demora a se concretizar gera uma imensa tensão enquanto acompanhamos os minutos anteriores a ele do ponto de vista de vários alunos da Columbine High School.
O ritmo lento e a divisão do ponto de vista elevam a tensão, assim como estabelecem perfeitamente a imprevisibilidade do ataque.

A caracterização dos assassinos é feita como a de todos os outros alunos. Suas vidas são apresentadas, assim como a família de Alex e seu gosto pelo piano. O beijo entre Eric e Alex logo antes de saírem para o ataque aponta a infantilidade dos assassinos. Ambos não queriam morrer sem ter beijado alguém.

Além deste momento tenro não há nada a não ser frieza no comportamento dos jovens assassinos. Movidos pelo ódio e pelo desconforto no local de estudo, dizimam a escola e matam a maioria dos personagens que narraram a história.

Quando encontra seu último alvo, o casal Nathan e Carrie, Alex se diverte escolhendo quem matará primeiro cantando “mamãe mandou” em meios às súplicas dos dois jovens.

Com um corte duro o assassinato é interrompido e o filme volta para onde começou: olhando para o céu, se afastando da ação, mostrando somente o tempo que passa pelas nuvens.

Felipe Abreu é graduando em Audiovisual pela Universidade de São Paulo (USP)

Fonte: http://www.ufscar.br/rua/site/?p=1302

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